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Proclamar Libertação – Volume 24
Prédica: Atos 1.8-14
Leituras: 1 Pedro 7.13-19 e João 17.1-11
Autor: Dirk Oesselmann
Data Litúrgica: 7º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 16/05/1999

 

Primeiras impressões

A ascensão de Jesus é um trecho bastante conhecido nas comunidades. Ela inicia uma sequência de textos de grande importância para pensar e repensar o nosso ser Igreja-instituição, o nosso ser comunidade, bem como a nossa missão cristã. Até hoje, este início do livro de Atos continua desafiador e tem gerado e incentivado novas formas de convivência e testemunho cristão.

Admito que a leitura e o trabalho aprofundados com o texto me fizeram enxergar muitas coisas que antes não havia percebido. Textos conhecidos correm o perigo de ser reconhecidos e logo engavetados sem se olhar para os seus cantos c esconderijos.

Estas reflexões, que devem servir de auxílio homilético, são resultado de um processo grupai de se confrontar com o texto. Convidei professores e estudantes de um Curso de Teologia Ecumênica que iniciamos recentemente aqui em Belém do Pará para contribuir com ideias, conhecimentos e observações. Fizemos experiências com o texto. O texto provocou vivências coletivas. As palavras desencadearam discussões e descobertas importantes sobre a nossa identidade e o nosso caminho dentro de uma convivência ecumênica que está se construindo em meio a uma diversidade muito grande de tendências, tradições e experiências. O Espírito Santo mostrou a sua força abrindo caminhos numa unanimidade conquistada.

 

O texto

Após a introdução do livro de Atos (vv. 1-2), o texto conta os primeiros acontecimentos que dão início a uma nova etapa: a continuidade da missão de Jesus Cristo através do Espírito Santo. A sequência do texto não apresenta rupturas ou discordâncias internas e externas, mas compõe uma obra historiográfica que analisa e documenta retroativamente — o livro foi escrito cm tomo de 50 anos após a crucificação de Jesus — a continuidade da história de Jesus através da força do Espírito Santo. Como era regra naquela época, Atos abre com uma repetição da última parte do primeiro livro (Lc 24.50-53), porém a partir de outro enfoque, centralizando-se mais nos discípulos que dão início às primeiras comunidades cristãs.

Os vv. 4 e 5 introduzem uma nova história que retrata as dúvidas dos discípulos. O v. 6 mostra, através da pergunta dos discípulos, o estado deles naquele momento: despedida, perda de um líder e uma consequente sensação de dúvida e insegurança. Essa grande angústia sublinha a importância decisiva daquele momento. Ô que vai acontecer? Será agora a instauração do Reino? Como resposta, Jesus deixa muito claro que não cabe aos discípulos saber tempos e datas para esse evento (v. 7).

V. 8: Este versículo é o centro do trecho escolhido e, ao mesmo tempo, a essência de todo o livro de Atos. Primeiramente, Jesus garante aos discípulos a continuidade do projeto de Deus. Os sujeitos da continuidade são os próprios discípulos, que receberão força e autoridade do Espírito Santo. Ele garante a presença do Pai e a conexão com a obra de Jesus. O mesmo Espírito que deu o poder ao próprio Jesus realizar a sua obra passará, segundo o anúncio deste versículo, para os discípulos a fim de darem continuidade à missão do Reino.

Não compete aos seguidores do projeto de Jesus prever como e quando o Reino irá se instaurar, mas eles têm poder, ao receber o Espírito Santo, para assumir a responsabilidade da missão na terra. Fica evidente que a angústia escatológica não pode ter por consequência uma mera espera de que um dia Jesus voltará para instaurar o Reino, mas os discípulos recebem a missão de serem testemunhas até os confins da terra, ou seja, o mundo inteiro sem restrições.

Ser testemunha significa entregar-se integralmente a essa missão, divulgar a mensagem e o anúncio de Jesus no mundo com todas as dimensões de sua vida, sem recuar diante dos conflitos que isso poderia causar. Assim, testemunho significa martírio, disponibilidade de dar a vida sem medo de perdê-la, como por exemplo no caso de Estêvão.

A exigência de ser testemunha recebe a sua importância diante do desafio de ultrapassar gradativamente todas as fronteiras: as fronteiras geográficas – de Jerusalém para a Judéia e Samaria até os confins da terra; as fronteiras pessoais que enchem as pessoas de um poder positivo de construção do novo; as fronteiras sociais e econômicas que abrem novas formas de convivência comunitária (At 2.43-47 e 4.32-37); as fronteiras políticas e culturais superando discriminações e posturas exclusivistas. A mensagem é clara. Jerusalém não é mais o único centro das atividades, apenas o ponto de partida para algo muito maior. A inclusão de Samaria, que é mencionada ao lado de Jerusalém e da Judéia, desafia radicalmente a superar exclusões sociais, políticas e religiosas.

O v. 8 resume todo o itinerário do livro de Atos proclamando c desafiando Iodos aqueles que querem dar continuidade ao projeto de Jesus. A forca do Espírito Santo possibilita o testemunho que viaja até os confins da terra, ultrapassando as diversas formas de fronteiras que existem nas relações humanas. Em círculos concêntricos, sempre a partir do lugar onde os seguidores se encontram — neste caso em Jerusalém —, se inicia uma transformação gradativa e radical com o objetivo de abranger a terra inteira. Esse itinerário de viagem tem um horizonte ecumênico na medida em que o testemunho de vida ultrapassa tudo aquilo que divide e discrimina.

Vv. 9-11: Jesus foi elevado aos céus, saiu da convivência imediata com os discípulos, até que eles não puderam mais vê-lo. A nuvem que cobriu e levou Jesus indica uma intervenção direta de Deus e lembra a ascensão de Elias ou Enoque.

Decisiva neste momento de ruptura, de despedida do líder e do mensageiro de Deus, é a presença súbita de dois homens que lembram os discípulos da sua missão e responsabilidade na continuação do projeto de Deus. Não adianta mais olhar para o céu e esperar que algo aconteça com eles. As palavras dos dois homens sacodem e acordam os discípulos para assumir agora a sua missão, o seu testemunho na terra. Jesus voltará, sim, mas da mesma forma como ele subiu ao céu, sem que os discípulos possam interferir ou especular sobre isso. Um espaço abre-se para a história. A parusia fica diferida para deixar espaço à história: vem o tempo da responsabilidade humana (Comblin, p. 75).

Vv. 12-13: O efeito das palavras, do sacudir dos dois homens está na organização dos discípulos, a retomada da missão no dia-a-dia. A perda do líder não causou uma dispersão dos seguidores. A mensagem foi entendida: ser testemunha na terra. A listagem dos 12 discípulos indica que não faltava ninguém. Conseguiu-se superar a ruptura sem nenhuma desistência, sem fragmentação.

V. 14: Em continuidade com os versículos anteriores, o v. 14 destaca a unanimidade de todos como uma das características fundamentais para assumir a missão. Esse Espírito congrega as pessoas que estão acompanhando o projeto de Jesus, a família e as outras mulheres. Os irmãos de Jesus agora estão nessa comunidade, eles que antes zombavam de Jesus… A missão e a responsabilidade não são algo exclusivo dos discípulos, mas envolvem sem restrições todos aqueles que assumem o testemunho.

Eles perseveravam em oração. A oração parece estar diretamente ligada à união de todos, fundamento essencial para a missão na terra. Essa comunidade embrionária reflete sobre o que aconteceu, sobre a traição de Judas, que deixou uma ferida aberta. Pedro lidera e começa a interpretar os acontecimentos. São apenas 120 pessoas no meio de uma população de cerca de 4 milhões de habitantes na Palestina.

Perguntas e testemunho, perplexidade e força do Espírito, oração e união — o começo da Igreja.

 

Desafios para a atualidade — ideias para a reflexão

*A leitura comunitária deste trecho provoca experiências. O ponto de vista dos discípulos possibilita uma identificação com a nossa situação. Quantas vezes estamos perdidos e desorientados? Não fazemos na nossa linguagem de hoje, no nosso jeito de ser, perguntas parecidas sobre o nosso destino? O Reino será instaurado? Qual é o nosso lugar nele? E, por fim, quantas vezes olhamos para o céu esperando respostas imediatas para os nossos problemas?

Se a gente se abrir para as palavras do texto, a fala de Jesus e dos dois homens nos sacudirá. Eles não dão respostas para esse tipo de perguntas, mas deixam claro que são preocupações erradas. Não são da nossa conta. Trata-se de ser testemunha do Reino, do projeto da vida, da possibilidade da salvação seguindo o caminho de Jesus. As respostas não estão nas especulações e tentativas de explicação, mas no assumir da nossa missão prática na terra, no convívio consciente e no testemunhar.

*O texto anima para uma viagem, para sair do nosso lugar, passando justamente por todos aqueles lugares que sempre desprezamos, que são maltratados e excluídos. Por isso, não é uma viagem sem riscos e sem conflitos. O testemunho provoca transformações, colocando em xeque a não-vida, as formas de discriminação e exploração, de violência e de poder.

Temos hoje ainda coragem de enfrentar conflitos com a morte e a injustiça? Como e onde recebemos, estamos abertos para receber o Espírito Santo que nos dá força e a autoridade da vida? O Espírito Santo é uma presença constante e clara para nós ou está difuso no meio de múltiplos espíritos que nos confundem?

*Na missão pela vida e amor pelo Reino não pode haver divisão entre os seguidores. Será que as confusões, as preocupações pessoais, os interesses dos diferentes segmentos e grupos não nos levam à separação e briga, enquanto o Espírito da vida conclama a um testemunho unânime? Melhor, o Espírito da vida surge da união! Os discípulos, a família, as mulheres e os outros seguidores se reuniram em união para orar e não oraram para se unir, como é o caso no atual contexto cristão.

Correspondendo a isso, a preocupação essencial é com o testemunho universal, com a terra como oikos para todos, com a vida para todos. Testemunhar não é apenas convencer os pagãos de que Jesus é o Filho de Deus, mas principalmente levar a mensagem e o desafio da vida em abundância para todos os seres humanos.

 

Possibilidades para a liturgia, oração e celebração

O texto oferece diversas portas de entrada na sua reflexão. Estamos propondo fazer experiências coletivas com o texto. As muitas perguntas no parágrafo anterior indicam uma dinâmica da liturgia e da prédica que abra as reflexões e que convide a se identificar com situações ou personagens do texto. Uma dinâmica participativa, porém, não pressupõe necessariamente a falação espontânea de muita gente, mas acontece também ‘no silêncio, na meditação ou em diálogos ensaiados. Essencial nesta dinâmica é a abertura: o/a coordenador/a da celebração ou se preocupa em dar respostas claras ou incentiva para uma reflexão própria dos participantes.

Enfoques possíveis são:

*O que significa ser testemunha hoje? Colher o que os cristãos hoje em dia testemunham ao mundo. Pensar o que deveriam e poderiam testemunhar. Leitura de 1 Pe 4.13-19.

*A viagem da nossa missão — ultrapassando as fronteiras da exclusão. Concretizar uma viagem, construir um roteiro com lugares conhecidos pela comunidade (por desenhos ou símbolos dos lugares) e descrever em conjunto as fronteiras que serão encontradas e os conflitos a serem enfrentados. Leitura de 1 Pe 4.13-19.

*Qual é a força do Espírito Santo hoje? Refletir sobre o clima geral da comunidade, da população ao redor. Quais são os espíritos que estão presentes? Onde está o Espírito Santo? Qual é a força que ele transmite? Leitura de Jo 17.1-11: a oração de Jesus (meditação com música ao fundo, a força que uns dão aos outros — abraço da paz).

*Unir-se para orar ou orar para se unir? Detectar as razões de divisão e isolamento. Achar formas de renovar a união. Celebrar em círculo. Sentir a força do Espírito Comunitário. Orar Jo 17.1-11.

 

Bibliografia

Atos dos Apóstolos: ontem e hoje. Estudos Bíblicos, v. 3, Petrópolis/São Leopoldo;
BARCLAY, William. El Nuevo Testamento comentado. Buenos Aires: La Aurora, 1973;
COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos: vol. I: 1-12. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal; São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1988.

 

Nota

*Este artigo foi elaborado por Dirk Oesselmann, a partir de contribuições de Irmã Tea Frigério (Igreja Católica), Saulo Baptista (Igreja Metodista) c Rev. Dorimar Moraes Cortinhas (Igreja Presbiteriana Unida), assim como de reflexões dos estudantes do 1° semestre do Curso de Teologia Ecumênica organizado pelo Conselho Amazônia de Igrejas Cristãs em Belém (PA).

 

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Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).

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