Uma das razões fundamentais do protestantismo religioso do século 16 é a liberdade. Naquela época, a liberdade estava intrinsecamente ligada á luta por cidadania e vida. Estado e Igreja, cruz e espada estavam unidas na ocupação dos espaços, dos corpos, das almas e das consciências humanas. As pessoas não tinham liberdade sobre seu corpo, nem sobre sua alma, nem sua consciência. Estavam aprisionados por um conluio que se formou pelas forças dominantes, ou seja, religiosas, políticas e econômicas.
O protestantismo trouxe um novo jeito. Neste novo jeito, a liberdade está fundamentada na palavra de Deus. “Minha consciência está presa nas Palavras de Deus”, disse Martim Lutero. Não o posso negar. Afirma que as pessoas têm dignidade, portanto, tem coisas que não lhe podem ser tiradas. Dignidade é o que não tem preço como, por exemplo, vida, comida, bebida, segurança, consciência, o corpo, a alma, liberdade. Se lhe tira, não é mais ser humano no sentido pleno. Para os protestantes, esta dignidade é dada por Deus. E por isso, menosprezá-la seria lutar contra Deus, que “dá e cria direitos”. A leitura popular da Bíblia e a eleição direta para todos os cargos na igreja e na comunidade foram duas consequências fundamentais no movimento protestante.
No tempo da Independência, tratemos da liberdade como direito fundamental. A liberdade não é um direito dado pelo Estado. Liberdade é um direito humano, portanto, das pessoas. No Estado Moderno, após reforma protestante, as pessoas não são meios, mas fim em si mesmo. O mesmo princípio está presente nos Pactos da Humanidade e na Constituição Federal de 1988. Ao Estado cabe garantir a liberdade, mediante leis justas e sua implantação para todas as pessoas. O Estado não é o fim último, mas o meio para garantir a dignidade expressa, também, na liberdade. Cristãos e não cristãos devem colaborar para que esta garantia seja possível.
No tratado intitulado da Liberdade Cristã, Martim Lutero afirma que a pessoa está livre e não está sujeito a ninguém, pela fé. Como ser espiritual, está livre, salvo pela fé, mesmo sem obras. Como ser corporal, é servo, pelo amor. Neste sentido, disciplina seu corpo, espontaneamente, e presta serviço ao próximo. Portanto, é livre, em Cristo, pela fé. É servo, no próximo, pelo amor. Cristãos oram pela liberdade, por causa de sua fé, mas, também, se engajam em causas sociais que visam garantir liberdade, por causa de seu amor.
Se Deus dá liberdade, cria e mantém direitos. Se os movimentos filosóficos e humanitários redescobrem a dignidade humana, então é possível lutar por independência. No bojo desta compreensão, houve movimentos de independência e republicanos nos países do mundo inteiro, a partir dos séculos 16 e 17.
Independências foram conquistadas, entre elas a do Brasil, em 1822. Repúblicas foram organizadas, entre elas a do Brasil, em 1889. Independência significa, também, autonomia. Autonomia leva a eleições. Mas, a ausência de autonomia, no sentido kantiano de liberdade de se autodeterminar segundo o princípio do dever, e a não existência de eleições livres são barreiras para efetivação da independência, no Brasil. Povo sem autonomia é povo que é apenas um meio para ganhar eleições. Isso não é independência, mas fundamento de dependência com aparência de democracia.
Lembrando do apóstolo Paulo, escrevemos que: “Foi para a liberdade que Cristo os libertou. Não se submetam de novo à escravidão” (Gálatas 5.1).
TEOBALDO WITTER, pastor luterano e professor universitário
(Fonte: Diário de Cuiabá – 09-09-2009)