Prédica: Filipenses 1.3-11
Leituras: Malaquias 3.1-4 e Lucas 3.1-6
Autor: Leandro Dentee
Data Litúrgica: 2º Domingo do Advento
Data da Pregação: 7/12/2003
Proclamar Libertação – Volume: XXIX
Tema: Advento
1. Época de Advento! Época de desafio!
Estamos em época de preparo para aquele que é, sem dúvida, um dos maiores “momentos” de nossa fé: o nascimento de Jesus. A indicação do texto de Fp 1.3-11 é para um domingo de Advento. Época do ano em que nossas comunidades vivem, apesar de estarmos bem distantes da comunidade de Filipos, muitos dos desafios que esta comunidade sentiu nos dias de Paulo. Isto torna essa perícope muito interessante para um pregação em época de espera e de preparo.
2. Uma rápida olhada para a carta aos Filipenses
A relação que o apóstolo possui com a comunidade de Filipos é especial. É uma relação muito cordial e fraterna. Essa comunidade foi fundada pelo apóstolo (At 16.11-40) e dela aceitou, várias vezes, ajuda material, o que não era concedido para qualquer comunidade (2 Co 12.14).
A maioria dos comentaristas afirma que é correto dizer “cartas aos filipenses”. Elas seriam três: Carta A Fl 4.10-20; Carta B Fl 1.1-3.1a e 4.2-7; 4.21-23; Carta C Fl 3.1b-4.1 e 4.8-9 (Comblin, p. 10). O texto em questão encontra-se na Carta B.
Com a possibilidade de termos três cartas, a distância cronológica não pode ser muito grande, meses talvez. Paulo estava na prisão, provavelmente em Éfeso; assim sendo, deve ter sido escrita entre fim de 52 e começo de 55, ou fim de 54 e começo de 57, dependendo da cronologia paulina a ser usada (Comblin, p. 14).
O apóstolo faz nesse escrito uma apologia de seu ministério. Revelando o fato de ser um cidadão romano, Paulo teria grandes possibilidades de ser absolvido. Essa opção pela vida, ao invés do martírio (1.21-24), é considerada uma fraqueza do apóstolo. Paulo escolhe a vida para poder continuar evangelizando. Considerando esse contexto, o objeto da carta é o confronto entre vários apóstolos. Não só um confronto pessoal, mas uma forma de conceber a missão dos apóstolos e o conteúdo do próprio cristianismo.
Esses pregadores, vindos de fora, poderiam abalar a comunidade, causando uma divisão. Perguntas sobre a autoridade apostólica na Igreja, sobre o direito de ser recebido como apóstolo e de como discernir o verdadeiro e o falso missionário são temas da carta (Comblin, p. 15).
3. Uma “olhadinha” na perícope 1.3-11
A perícope pode ser dividida em:
a – saudação (v. 1-2); b – oração de agradecimento (v. 3-8); c – petição (v. 9-11).
Em documentos como a carta, era costumeiro que, após uma saudação (v. 1-2), viesse uma oração de agradecimento (v. 3-8). No texto em estudo, Paulo segue esse costume.
Na carta ao Filipenses, essa oração (v. 3-8) é mais fervorosa, o que demonstra o carinho especial pela comunidade. Paulo agradece, no início de nosso texto, a Deus por tudo o que tem acontecido nessa comunidade. Todo esse trabalho comunitário é atribuído a Deus, não se fazendo nenhum agradecimento por obra humana. Assim, a obra e a missão da Igreja deixam de ser um produto do planejar humano; passam a ser obra de Deus. A relação entre o apóstolo e a comunidade é tão profunda, que, mesmo escrevendo da prisão, a carta não traz queixas. A comunidade participa desse privilégio.
A fórmula de agradecimento também já insinua o tema, o que aparece aqui sob a forma de evangelho e trabalho de evangelização. A confiança no futuro e o agradecimento especial a Deus são aspectos interessantes. A perseverança no passado inspira confiança no futuro. A petição que segue a oração de agradecimento continua a estrutura usada na época. O agradecimento anuncia a mensagem; a petição anuncia as recomendações. Estas recomendações nos dizem muito.
No início das recomendações, no v. 9, Paulo pede para que o amor (agape) cresça cada vez mais. Agape é um processo, não algo que se possa considerar como completo, terminado. Agape também não é um sentimento, mas uma solidariedade prática (Comblin, p. 18). Este amor, junto com um discernimento completo, faz com que a comunidade possa “escolher o melhor”. Como vimos acima, a comunidade estava sendo “tentada” pelas mais variadas propostas. Muitos pregadores lançavam sua forma de pensar sobre a comunidade. O cristianismo dava seus primeiros passos, e assim podemos imaginar a confusão que essas disputas causavam no viver comunitário.
Por isso esse discernir tem um caráter especial: é a palavra que Paulo usa para resumir toda a sabedoria e moral cristã. Graças ao dom do discernimento, que toda pessoa cristã deve descobrir em cada momento de sua vida e de sua participação no mundo, é que também a comunidade dos filipenses poderá chegar no fim dos tempos e não ter imputado erro a ela. Graças ao discernimento é que a comunidade terá a sua vida dedicada à vontade de Deus e assim conseguirá logo obter os frutos de justiça (v. 11). Através dessa ação, Deus manifesta a plenitude de sua glória.
4. Uma olhar para nossa realidade
Estamos vivendo época de Advento. Preparamo-nos para o Natal. Nossas comunidades são tocadas pela simplicidade do relato. Teatros de Natal revivem a mesma história, uma mesma história que nos toca, a cada ano, de maneiras diferentes. A impressão é que todo ano trata-se de um acontecimento novo. Esta talvez seja uma das magias do nascimento de Jesus.
Para obreiros e obreiras, uma época de muito trabalho. Não é raro escutar do alívio que o dia 26 de dezembro causa. Trabalhamos tanto o tema Natal, mas temos dificuldade em vivê-lo com nossos familiares. Encontros de Advento, celebrações, mensagens de Natal…
Não devemos, nem podemos, separar a comunidade cristã e o mundo. Só que para as pessoas que não participam de nenhuma atividade a nível comunitário, época de Natal tem um significado mais “amplo”. O ano está findando. As férias chegam para aquelas pessoas que possuem a possibilidade de desfrutar de férias. Uma época do ano totalmente diferente! As reportagens nos meios de comunicação parecem sempre querer nos levar para um dos maiores “lucros” do Advento: compras, presentes, lojas cheias…
Não podemos negar o fato de viver uma ambigüidade: de um lado, a simplicidade do Natal histórico; de outro, a “onda” de um Natal construído a partir do consumo. A comunidade cristã está envolta por tudo isso. Precisamos de discernimento. O que seria para este Natal uma boa nova? A quem seguir? Distantes historicamente da comunidade dos filipenses, mas com perguntas parecidas.
A quem seguir e o que fazer eram perguntas que a comunidade cristã da cidade de Filipos também buscava responder. Eram tantas as ofertas! O que fazer neste Natal e a que voz seguir são perguntas que nós devemos responder. Como discernir?
5. O dom do discernimento
O texto de Filipenses possui vários aspectos que poderiam servir de base para a pregação. Sugerimos para este segundo domingo de Advento uma atenção especial à petição (v. 9-11) que o apóstolo faz. Paulo pede a Deus que a comunidade tenha um crescimento no amor e também sabedoria e entendimento completo (percepção na tradução de Almeida), a fim de escolher o melhor. Escolhendo o melhor, essa comunidade estará livre de toda a impureza e culpa e a sua vida produzirá boas qualidades.
Volta a pergunta: como discernir? Para nos ajudar a responder esta pergunta, recorremos a Dietrich Bonhoeffer (teólogo alemão, 1906-1945). Em seu livro Ética, Bonhoeffer trata do examinar, citando o nosso texto bíblico (p. 26). Ele afirma que o conhecimento da vontade de Deus não é algo óbvio, nem se trata de um sistema de regras prefixadas. Por isso, coração, raciocínio, observação e experiência devem ser usados para esse examinar (discernir). A vontade de Deus é cada vez nova e diferente nas diferentes situações da vida (p. 26). Ótima afirmação, que deve fazer refletir aqueles e aquelas que usam a Bíblia como livro de receitas. Mas vamos adiante!
Como pessoas, só podemos discernir a partir de uma mudança de mente (Rm 12.2). Essa “metamorfose” só é possível, por sua vez, quando se dá o confronto com o novo ser humano: Jesus Cristo. “Não se pode, portanto, discernir a partir de si mesmo qual seja a vontade de Deus, com base no próprio saber do bem e do mal; pelo contrário, somente o pode a pessoa da qual foi tirado todo o saber próprio a respeito do bem e do mal e que, por isso, desiste de saber por si mesma a vontade de Deus, que já vive na unidade da vontade de Deus porque a vontade de Deus já se concretizou nela. Examinar qual seja a vontade de Deus só é viável a partir do saber da vontade de Deus em Jesus Cristo. Somente com base em Jesus Cristo, somente no âmbito determinado por Jesus Cristo, somente ‘em’ Jesus Cristo pode-se discernir qual seja a vontade de Deus” (p. 27).
Para nós pessoas cristãs, afirma Bonhoeffer, não existe outra possibilidade de discernir a não ser a partir do fato de que Jesus está em nós. E este Jesus não é uma pessoa neutra, mas uma pessoa histórica (Bonhoeffer, p. 28). Este Jesus vivo em nós requer sempre um auto-exame. Nossa ação deve ser examinada, a fim de podermos fazer a vontade de Deus.
Fazer a vontade de Deus só se dá quando nos colocamos sob total submissão a esta vontade. Esse fazer só é possível em Deus. Jesus disse: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Paulo também atribui a Deus tudo o que a comunidade de Filipos até então fizera (Fp 1.6;8). O cumprimento dessa vontade de Deus requer também um ouvir. Mas aqui um cuidado especial! “Bem-aventurado é o praticante em seu fazer, diz Tiago; bem-aventurados são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam, diz Jesus; ambos dizem o mesmo. Pois tão pouco como se poderá separar o ouvir do fazer, o fazer poderá ter autonomia diante do ouvir. A bem-aventurança do praticante inclui o ouvir, da mesma forma como a bem-aventurança do ouvinte inclui o fazer” (Bonhoeffer, p. 31).
Por fim, examinar (discernir), ouvir e fazer, tudo é designado e guiado pelo amor. Isto nos diz com clareza o próprio Paulo em 1 Co 13. O amor que tudo guia é Deus. Este mesmo Deus nós não conhecemos, a não ser que Ele mesmo se revele. E esta revelação aconteceu em Jesus, como nos diz 1 João 4.10: “Nisto se manifestou o amor de Deus por nós, em haver Deus enviado seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele”. Deus enviou o seu Filho no Natal. Estamos em época de esperar este Filho, época de AdventoSó podemos então discernir, segundo Bonhoeffer, e concordamos com ele, quando olhamos para a revelação do amor de Deus, a saber, Jesus. É hora de olharmos para essa revelação, que teve no evento do Natal um momento alto. É momento de nos prepararmos para a revelação de Deus.
6. A mensagem
Ensinar a Palavra de Deus é tarefa mui grandiosa para nós pecadores. Mesmo assim, sob a graça de Deus, somos incumbidos e incumbidas a pregar. Quem sabe, então, neste segundo domingo de Advento uma prédica dialogada? Quando lançamos perguntas às pessoas que estão nos ouvindo, passamos muitas vezes por situações embaraçosas. Por outro lado, abre-se uma possibilidade ímpar de, junto com essas pessoas, construir a mensagem. Assim, sugiro uma prédica dialogada, onde isto é possível, ou então, que sigamos a sugestão abaixo que quer terminar com um desafio, como escrito no início do auxílio: Época de Advento! Época de desafio!
Sugestão de mensagem:
a – uma breve reflexão sobre esta época do ano: Para que e para quem nos preparamos no Advento? Como a comunidade (você) está vivendo esta época? O que os meios de comunicação passam para nós? Existe uma diferença entre a história do Natal que conhecemos e o que a sociedade (mercado) passa para nós?
b – Muitas ofertas! Luzes brilhantes (mercado) e a estrela sobre a estrebaria (Natal real). As comunidades sempre viveram momentos em que nem sempre sabiam o que escolher ou a quem seguir. Contexto da carta aos Filipenses: apesar de ser uma comunidade ativa, vivia rodeada de várias propostas. Em nosso texto, Paulo ora por discernimento.
Leitura do texto:
c – Ontem e hoje é necessário discernir: O que é a vontade de Deus? O que não é vontade de Deus?
d – Discernir só é possível olhando para a revelação de Deus em Jesus. Como sabemos o que é bom e o que não é? Somente olhando para Cristo, o Deus revelatus no Natal.
e – Como nós estamos nos preparando para este Natal? Sobre isso podemos usar aspectos dos textos que servem como leitura bíblica para o domingo. O que podemos hoje, duas semanas antes, aprender de uma história que irá acontecer?
f – O desafio. As pessoas já conhecem bem a história do Natal e responderão a pergunta acima. Afinal, cada ouvinte tem um aprendizado dessa história. Exemplo: alguém pode referir-se à pobreza do acontecimento. Desafio: preocupar-se com os menos favorecidos. Outro pode lembrar do fato de que a família de Jesus foi excluída (sem-teto). Desafio: ir em direção aos excluídos (sem-teto). Uma pessoa pode lembrar que Maria e José tiveram um filho sozinhos, sem nenhuma ajuda. Desafio: lembrar as pessoas doentes que sofrem nas filas do SUS. Outra pessoa pode referir-se ao fato de serem pessoas esquecidas naquela noite. Desafio: ir em busca dos esquecidos de hoje (idosos em um asilo).
Imaginamos, quem sabe, o fato de que algumas comunidades possam, neste segundo domingo de Advento, lançar uma campanha para tornar mais feliz o Natal de crianças empobrecidas, de pessoas esquecidas nos asilos e tantas outras possibilidades que temos quando olhamos para a revelação de Deus no Natal, fundamental para o nosso discernir. No culto de Natal, os frutos desse desafio, dessa campanha, podem ser apresentados ou relatados. É uma forma de viver um Natal diferente.
7. Subsídios litúrgicos
Preparação do ambiente – A mensagem irá apontar para o acontecimento do Natal. Muitas comunidades montam o presépio no templo. Sugerimos que seja montada apenas uma gruta, o que mostra a simplicidade do relato, além de possibilitar que as pessoas imaginem a noite de Natal sem figuras anteriormente concebidas. Sem José e Maria e demais personagens, uma gruta somente já nos indica como Deus tem se revelado.
Oração de confissão – Deus, Pai e Mãe, é tempo de preparo para o Natal. Advento nos lembra e quer nos preparar para o encontro com teu Filho Jesus, que irá nascer. Faz parte desse preparo o reconhecimento humilde de nossas culpas. Culpas estas que nos entristecem. Perdão por todas as vezes em que nos faltou discernimento. Nem sempre escolhemos a tua verdade. Seguimos verdades espalhadas pelos meios de comunicação, lembramos neste Advento, em especial, o consumismo. Nem sempre optamos por ouvir a tua palavra. Tenha piedade de nós por todos os momentos em que usamos a nossa sabedoria como parâmetro para a nossa ação, deixando de lado os teus ensinamentos. Por todos os erros que cometemos, por todas as faltas que cada um e cada uma conhece somente no seu coração, pedimos-te perdão; em Jesus Cristo, teu Filho, o fazemos. Amém.
Absolvição – Bendito seja o Senhor, o Deus de Israel, porque visitou e salvou o seu povo, para iluminar os que andam nas trevas e dirigir os nossos passos pelos caminhos da paz. Através destas palavras, nossa culpa é perdoada. Que possamos seguir no propósito de não mais cometer os mesmos erros. Amém.
Oração de coleta – Amado Deus, Pai e Mãe, preparamo-nos para o nascimento de teu único Filho Jesus Cristo. Tu nos visitaste através dele. Assim queremos te pedir neste segundo domingo de Advento, venha nos visitar neste culto, através de tua Palavra e do Espírito Santo. Mexa conosco a fim de que possamos saber escolher o que é tua vontade neste mundo, o que é tua vontade em nossas vidas. É o que nós pedimos por Jesus, teu Filho, nosso Senhor e Salvador.
Oração de intercessão – Nesta oração devem ser lembradas todas as situações que foram citadas na mensagem, não esquecendo as pessoas da comunidade que estão doentes.
Bibliografia
COMBLIN, José. Epístola aos Filipenses. Comentário Bíblico. Petrópolis: Vozes, 1985.
WEINGÄRTNER, Lindolfo. A Carta aos Filipenses. Curitiba e Belo Horizonte: Editora Encontrão e Missão Editora, 1992.
RALPH P, Martin. Filipenses. Introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1985, p. 72-82. (Série Cultural Bíblica)
BREIT, Herbert. In: Neue Calwer Predigthilfen. Band 2 B. Stuttgart: Calwer Verlag Stuttgart, 1980, p. 230-238.
Proclamar Libertação 29
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia