Uma palestra instigante do Pastor Dr. Lauri Emilio Wirth motivou muitas reflexões e comentários na manhã deste dia 17/10/2024 no XXXIV Concílio da Igreja. Com o título “Quando a vida cotidiana revela a fé que professamos”, o Pastor Wirth trouxe ponderações a propósito da celebração dos 200 anos de presença protestante no Brasil.
Igreja de imigrantes
A partir do texto de Deuteronômio 26-5-9, o palestrante lembrou a história de grande parcela da população brasileira: somos um povo formado de imigrantes e migrantes. Especialmente a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil se formou a partir de movimento migratório, motivado por causas sociais. “Nossos antepassados aqui chegaram porque saíram de uma terra onde imperava fome e miséria, onde não conseguiam sobreviver”.
As limitações com as quais as pessoas imigrantes tiveram que lutar eram muitas. Até 1889, a Igreja Católica Romana era a única igreja oficialmente reconhecida pelo Estado brasileiro. Outras expressões de fé eram apenas toleradas. Isso vale tanto para o protestantismo como para outras expressões de fé, sejam elas de religiões indígenas, de raiz africana, judaica, muçulmana etc.
Mas o palestrante enfatizou que, mesmo quando as leis eram discriminatórias, na vida cotidiana predominavam a solidariedade e a convivência pacífica entre os diferentes credos.
Em algumas regiões houve, inclusive, iniciativas conjuntas entre católicos e protestantes para suprir demandas específicas como o estabelecimento de cemitérios para uso comum de ambas as denominações religiosas.
Associativismo e solidariedade
O associativismo e a solidariedade entre imigrantes evidencia, talvez inconscientemente, aquilo que Lutero queria expressar com a ideia do Sacerdócio Universal de todas as pessoas crentes. Ou seja, toda atividade produtiva e cultural de uma sociedade deveria ter como foco e bem comum, o bem-estar de toda a sociedade. Quem age a favor do bem comum, segundo Lutero, presta culto a Deus, é um sacerdote e uma sacerdotisa.
Entre imigrantes se desenvolveu uma economia de subsistência, voltada para a manutenção da vida. Essa é outra ideia fundamental no pensamento teológico de Lutero. Toda atividade econômica precisa ter como foco principal e inegociável, a reprodução e preservação da vida.
Das comunidades de fé à institucionalização de um protestantismo étnico
A IECLB é uma igreja plural, desde as suas origens. Embora a maioria das pessoas imigrantes tivesse vínculos denominações religiosas originárias da Reforma Protestante do século XVI, não é correto caracterizá-los genericamente como luteranas. No país de origem, o termo evangélico poderia indicar tanto a pertença a uma Igreja de rito luterano, quanto calvinista ou até a um dos grupos dissidentes da Reforma.
A partir de 1864 iniciou-se um processo de filiação das comunidades à Igreja Evangélica da Alemanha, consolidando-as como comunidades estrangeiras no Brasil. Em consequência, a preservação do caráter germânico das comunidades passou a ser o principal elemento definidor de identidade deste protestantismo. O resultado foi um protestantismo étnico, cujo eixo estruturante era a preservação da cultura alemã. Nesse contexto, ser evangélico se confundia com o ser germânico.
Do protestantismo étnico ao luteranismo brasileiro
Com a segunda Guerra Mundial, a dependência formal da Igreja Evangélica da Alemanha foi rompida. E, no ambiente do pós-guerra, tornava-se insustentável a manutenção da cultura germânica como elemento da identidade religiosa. É nesse contexto que a teologia luterana passa a assumir um papel central na formulação de uma identidade doutrinária do que viria a ser a IECLB.
Assim, a caminhada da IECLB como Igreja de Jesus Cristo no Brasil adquire um novo rumo após a Segunda Guerra Mundial. As temáticas advindas da realidade brasileira passam a ocupar a pauta dos debates e a nortear as ações da Igreja. Um dos momentos decisivos desta tendência foi a fundação da Escola de Teologia, em março de 1946, fundamental para a formação de um clero luterano brasileiro.
Outro leque de iniciativas que apontam para a mudança de foco é a filiação oficial da IECLB a organismos ecumênicos tanto nacionais, como internacionais. Por algum tempo, porém, evidenciou-se a pouca familiaridade das lideranças luteranas diante dos conflitos que assolavam a sociedade. Um ensaio de resposta a estas demandas surgiu do VII Concílio Geral da IECLB, realizado em Curitiba (outubro de 1970), com a publicação do “Manifesto de Curitiba”. Este foi o primeiro documento oficial da Igreja Luterana sobre a relação entre Igreja, Estado e questões sociais.
Expansão da fronteira agrícola, migração do campo para a cidade e pluralismo religioso
A partir dos anos 70 do século XX, dois movimentos alteram profundamente a geografia da inserção da IECLB no país: a expansão da fronteira agrícola e a migração do campo para a cidade. Neste contexto serão gestadas inúmeras iniciativas de apoio a pequenos agricultores, de envolvimento com a causa indígena além de uma série de projetos voltados à população de baixa renda na periferia das grandes cidades, entre outros.
O deslocamento do campo para a cidade também confrontou a igreja com o tema do pluralismo religioso e a diversidade cultural do país. Esta conjuntura motivou diferentes esforços no sentido de articular a teologia luterana com as grandes questões sociais do Brasil e da América Latina.
Wirth tem a impressão de que a dinâmica do campo religioso brasileiro se instalou no interior da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Ele concluiu sua fala com a questão: Até que ponto teologia e as opções no âmbito da política eclesiática darão conta da fluidez característica do campo religioso brasileiro com a constante relativização da tradição como elemento unificador do grupo religioso é uma pergunta em aberto.
Acesse a íntegra da palestra do Pastor Dr. Lauri Emilio Wirth no canal de YouTube da IECLB:
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