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Proclamar Libertação – Volume 2
Prédica: João 10.1-5, 27-30
Autor: Reinhard W. Friedrich
Data Litúrgica: 3º Domingo da Páscoa/Misericordias Domini
Data da Pregação: 01/05/1977

 

1. O texto

1.1 – Delimitação, composição e tradução

O texto, conforme prescrição, está bem delimitado. A sugestão que foi feita, várias vezes, no passado, de pregar sobre João 10,1-11 traz algumas dificuldades, porque o versículo 2 se refere a Cristo que entra como o verdadeiro pastor pela porta, enquanto o versículo 7 afirma que ele mesmo é a porta.

Esta contradição pode ser explicada assim: O evangelista João junta diversas palavras das quais dispõe e cujos motivos são do pastor, da porta e das ovelhas, para formar esta perícope. Por isto recomenda-se deixar fora da prédica o contexto dos versículos 7-11.

Talvez pela mesma razão explica-se o fato de que nos versículos 1-5 o texto fala na terceira pessoa, e a partir do versículo 27 as palavras são colocadas na boca de Jesus, e ele fala na forma do ego eimi, portanto na primeira pessoa. Podemos supor que o texto foi composto por várias palavras, das quais João dispunha.

Os versículos 1-5 são uma parábola pura e este motivo de 1-5 volta, mais uma vez, em 27-30, onde o evangelista, através desta composição, confirma na forma da primeira pessoa que o pastor dos versículos 1-5 é idêntico ao verdadeiro pastor, enviado por Deus. Ele quer expressar com isto: Jesus não é um pastor entre muitos, mas fundamentalmente o bom pastor. E o que isto significa ele expressa nos versículos 27-30: Cristo e os seus vivem numa relação bem especial e íntima.

Recomenda-se usar como texto a tradução do NT na Linguagem de Hoje, com uma pequena modificação:

No versículo 4 deveria ser incluído, conforme o texto original: Então ele leva as suas para fora. É importante que o pastor chama o seu rebanho para fora, separando-o de um rebanho maior, (veja: eclesia).

Não é possível usar a tradução de Almeida, pois quem de nossa gente sabe o que é aprisco? Quem entende: ele vai adiante delas?

1.2 – O fundo histórico-religioso

Embora sendo possível uma influência helenista (R. Bultmann) , o fundo histórico-religioso é o símbolo do pastor no Antigo Testamento. Neste símbolo do Antigo Testamento o pastor pode ser:

a) Javé mesmo (Sl 23; Jr 31,10; Ed 34,11; Is 40, 11 e Sl 80,1.

b) aqueles que Javé encarrega para executar os seus planos de salvação, como Moisés, Arão e Davi: Is 63,11; l Sm 13, 14.

c)os libertadores políticos de Israel: Mq 5, 4; Is 40,41.

Quando Jesus reclama para si a autoridade de ser ele o pastor de Israel, ele reúne em sua pessoa o cumprimento de duas esperanças: nele se cumpre a esperança da vinda do próprio Javé e da vinda do Messias. O símbolo do pastor, portanto,é soteriológico e escatológico. Este pastor não tem nada a ver com o doce pastor das almas do Pietismo.

Por outro lado, o nosso texto contém elementos que não se podem explicar com a imagem do pastor do AT. Aquele estranho conhecimento mútuo entre o pastor e as ovelhas, e o fato de que as ovelhas pertencem a este pastor já desde o início (10,4), tudo isto tem algo a ver com a teologia de João, que já aparece no prólogo do evangelho.

1.3 – Deliberações sobre a predicabilidade

a) O pregador não deve pensar que com esta imagem do pastor se poderia interpretar e esclarecer a relação entre Jesus e os seus. Ao contrário, ela esconde mais do que revela. A parábola do pastor é uma parábola enigmática, que precisa ainda da interpretação, de esclarecimentos e da concretização.

b) Enfrentamos a segunda dificuldade com a imagem do pastor em si. No Brasil não existe mais o pastor que cuida de seu rebanho.O que é conhecido é o retrato sentimental que encontramos em várias casas de nossos membros e que tem como base o motivo da parábola da ovelha perdida. A prédica deve procurar evitar que surja esta imagem na mente do ouvinte. A prédica deveria tornar claro que este pastor de João 10 nos quer proteger contra toda e qualquer tentação de cair em ideologias escravizadoras e humanas. Cristo nos quer abrir os olhos para os líderes perigosos, que se nos oferecem, mas que em si são ladrões e assaltantes. A prédica deverá se tornar uma prédica altamente política e anti-ideológica.

c) Existe a tentação de se alegorizar este texto (principalmente os vv. 1-4), isto é: querer explicar e interpretar cada detalhe: Quem é o porteiro? O que significa a porta? Isto nos é proibido, porque o nosso texto não é uma alegoria, mas uma parábola, ou melhor, uma comparação. Só num único ponto ele quer comparar, isto dificulta a pregação, porque a interpretação depende ainda mais do ponto de vista teológico e individual de cada pregador. Nossa parábola quer chamar a atenção apenas para a diferença entre o verdadeiro e o falso pastor e guia.

Agora surge a pergunta: Quem é o falso guia? Uma prédica fundamentalista diria: o representante do mal, o diabo. Uma prédica aberta mencionaria todas as forças dentro da sociedade humana que deixa de lado a visão do reino de Deus.

Dependerá, sobremaneira, de cada pregador, como ele concretizará e encherá de vida esta parábola do bom pastor.

 

2. Exegese do texto

v.1 Em Jo 10,1-5 é descrito o verdadeiro pastor, primeiramente através daquilo que é oposto a ele: do ladrão e assaltante, que age em favor de seu próprio bem, mas que não procura o bem das ovelhas.

v.2 O verdadeiro pastor se mostra, entrando pelo acesso legítimo no curral das ovelhas; a porta será aberta para ele.

v.3 Ele as chama pelos seus nomes e as conduz para fora do curral, separando-as de um número maior de outras ovelhas que não reconhecem a voz do pastor.

v.4 Ele vai na frente delas, conduzindo-as por suas palavras. Elas o seguem. Este fato é salientado, mais uma vez, pelo contrário: v. 5. Ao falso pastor não seguem, elas fogem e não aceitam o convívio com ele.

Não é dito qual é o fator que faz com que elas escutem e reconheçam a sua voz. Existe, porém, uma profunda pertença das ovelhas a este pastor.

A pertença é preexistente, mas ela se torna evidente e eficaz somente pelo chamado. A Igreja estabelecida e aqueles que ouvem o chamado não são idênticos, mas o rebanho verdadeiro é formado por aqueles que escutam o chamado sempre de novo e lhe respondem com seu discipulado.

O mundo em geral não pode compreender e aceitar este pastor, mas somente a verdadeira comunidade, aqueles que foram chamados e também saíram para fora. Estes são pertencentes a Cristo, sim, quase idênticos a ele.

Jo 10,27-30: Pelo ouvir a voz do Cristo, – esta voz sem par -, que diz quem é o verdadeiro Senhor e Salvador, surge a fé, que tem a sua certeza em si mesmo. Quem ouve este pastor e tem a confiança de seguir e crer, participa da união com Deus, pelo fato de este pastor e Deus serem um só.

Por isto este pastor tem o direito de dar aquela vida indestrutível que só ele pode dar: a vida eterna. Aqueles que pertencem ao filho pertencem com isto a Deus, porque na fé não se pode distinguir entre Pai e Filho. Por esta razão, todos os pertencentes ao Filho não podem ser arrancados da mão do Pai . Deus é mais forte do que tudo e todos.

 

3. Meditação

1. Este nosso texto Jo 10,1-5. 27-30 é, de certa forma, a descrição da verdadeira Igreja de Cristo (A. Schlatter). Ele descreve o seu fundamento, a sua força, o seu objetivo e a sua verdadeira comunhão. O fundamento: minhas ovelhas ouvem a minha voz; a força:eu as conheço; o objetivo: elas me seguem; a comunhão eterna: Ninguém as pode arrancar da minha mão.

Todos os homens na terra pertencem, de antemão, a este Senhor, mas somente alguns estão ouvindo a voz, o chamado para fora da sociedade normal.

A gente, em geral, está muito mais disposta a ouvir a voz daqueles que afirmam que são pastores, líderes e salvadores, mas na verdade são ladrões e assassinos.

Eles fazem o contrário daquilo que o bom pastor faz:

a) roubam, pois as ovelhas não são deles (são propriedade do bom pastor), e por isso cada tentativa de se apoderar delas é roubo da propriedade de Deus.

A história está cheia de líderes que se apoderaram de homens através de suas ideologias e conseguiram uma lavagem mental, que no final levou sempre a um grande desastre.

b) matam, quando não se quer seguir de livre e espontânea vontade. Eles não querem saber de discipulado livre e espontâneo. Eles querem uniformizar os seus. Por isto entra o poder da morte, pois a morte torna todos iguais.

c) arruínam. Enquanto Cristo leva para fora, para os pastos onde jamais se provará a morte” (8, 52), líderes que não entram pela porta estragam vida, trazem destruirão e morte (H .-J. Iwand).

Cristo chama a nossa atenção para todos aqueles líderes perigosos que se oferecem como pastores e salvadores. A gente os reconhece pelo fato de desprezarem o homem e roubarem o glória e o poder de Deus. Com isto trazem enfim destruição o morte.

2. Qual é agora o critério para reconhecer a voz do bom pastor? Existe um sinal fora de comum na voz deste Senhor e pastor?

a) A voz certa é sempre a voz daquele que veio, não para ser servido, mas para servir (Mc 10, 45). É a voz do Cristo crucificado e ressuscitado em favor dos homens.

Só aquelas vozes que transmitem ao mundo o seu serviço em favor dos homens, são as vozes legítimas e verdadeiramente cristãs. Estas vozes querem chamar-nos para fora da sociedade normal, para nós servirmos novamente ao mundo e nos englobarmos no serviço universal da reconciliação (Elmer Koscis em GPM).

Quem ouviu, uma vez em sua vida, este chamado sabe para todos os tempos a quem pertence e a quem deverá seguir com toda a sua existência.

Não troquemos este serviço com aquele, por exemplo,que é feito em clubes como Rotary e Lions. (Mesmo pastores da IECLB não ouviram o chamado para fora. Uma sociedade que desvia talvez 10% daquilo que é consumido em jantares, para uma finalidade beneficente, ainda não ouviu a voz que nos chama ao amor do próximo como a si mesmo).

b) O bom pastor chama para fora, para pastos onde há vida nova em plenitude. O chamado de Cristo sempre visa decisão e discipulado. Onde se ouve este chamado, lá sempre surge a crise: Vamos ficar dentro do curral ou vamos tentar um êxodo, vamos ficar nas tradições religiosas ou procurar novos horizontes?

Seguir a Cristo tem como consequência o êxodo das estruturas antiquadas, significa abandono de preconceitos tradicionais, significa saída das formas antigas de ser Igreja.

Vamos refletir uma vez sobre a nossa introversão eclesiástica, sobre nossa teologia intelectual, sobre nossa linguagem arcaica na prédica, sobre o nosso receio de lutar pela justiça em nossos municípios, sobre a burocracia eclesiástica que devora o carisma e a ação da Igreja.

Onde ressoa o chamado de Cristo para fora do curral, velhas posições devem ser examinadas e transformadas.

Este Cristo com sua palavra vai na nossa frente pelos séculos e nos conduz pelas situações mais diversas da nossa vida e da nossa história. Será que a estagnação na Igreja atual é falta de fé no pastor que anda ã nossa frente?

3. Quem ouviu este chamado de Jesus Cristo, quem continua escutando o seu chamado para decisões sempre novas em sua vida, pode confiar na promissão de que não perderá a comunhão com Deus. Que Deus é maior do que tudo e todos não é uma frase dogmática, mas quer ser experimentada cada dia na nossa existência cristã. (Günter Harder em Hören und Fragen).

Para aquele que ouve o chamado e lhe obedece, Deus se torna cada dia mais importante.

Obediência a Deus produz riscos para o discípulo dentro da sociedade humana, porque é, muitas vezes, uma luta contra os influentes e poderosos ladrões da glória de Deus.

Mas quem arrisca a sua existência neste sentido, sente que está guardado numa mão que e mais forte e mais protetora do que todas as mãos ameaçadoras deste mundo. Tal existência traz vida e alegria eternas.

 

4. Bibliografia:

BULTMANN, Rudolf. Das Evangelium des Johannes. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1964;
EICHHOLZ/FALKENROTH, eds. Hören und Fragen. Vol. 5. Neukirchen-Vluyn, Neukirchener Verlag, 1967;
GÖTTINGER Predigtmeditationen. Ano 60, Caderno 2, fev. de 1971;
IWAND, Hans-Joachim. Predigt-Meditationen. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1966;
LANGE ,Ernst. ed. Predigtstudien. Série de Perícopes V. Stuttgart, Kreuz Verlag, 1971.

 

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Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).

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