|

Proclamar Libertação – Volume 2
Prédica: Tito 2.11-14
Autor: Ervino Schmidt
Data Litúrgica: Natal
Data da Pregação: 25/12/1977
Tema: Natal

1. Natal – proclamação da ”grande alegria

Ouvem-se lamentações por parte de pregadores. Eles apontam para as dificuldades que sentem com referência à prédica de Natal.

É verdade que a festa natalina foi, em grande parte, comercializada e desvirtuada. Ela tornou-se uma boa oportunidade para apelos sentimentais. Há as mais diversas maneiras de se comemorar o Natal de modo impróprio. Citamos apenas algumas: Uns o comemoram como festa da família. Sabemos que hoje é difícil reunir todos os membros de uma família. Um filho trabalha numa cidade em outro estado, outro estuda na capital e uma filha casou-se com um estrangeiro e mora no exterior, etc. Nestas circunstâncias a festa de Natal se presta como a oportunidade para o reencontro de todos na casa dos pais. Nisso geralmente se esgota o sentido.

Natal para muitos é a festa do amor e da comunhão humana.

Natal é, frequentemente, visto como a ocasião de se dar e receber presentes. Há ainda os que entendem esta data como a festa das crianças, criada especialmente para provocar aquele olhar feliz dos pequeninos e também dos grandes!

Isso tudo faz com que não haja concentração, que a atenção seja desviada para cousas inteiramente secundárias.

Mesmo Lutero encontrou dificuldades semelhantes. Ele gostava de pregar por ocasião do Natal. Não se cansava de fazê-lo. Era de opinião que, apesar de se trazer a história do nascimento de Jesus cada ano, não seria possível esgotá-la. Mesmo assim ele constata entristecido: Em toda parte se canta. Mas quantos cantam roncando e com os olhos dormentes, em de cantarem das profundezas do coração? Parece que a mensagem de Natal é uma historia fria que não aquece os nossos corações e não evoca a verdadeira alegria.

Mas, não há motivos para desespero! A festa natalina é uma enorme chance para se proclamar a boa nova. Talvez aqui, mais do que em outras ocasiões, o sucesso da prédica dependera da habilidade do pregador.

Não seria prudente, por exemplo, vociferar contra aqueles que somente por ocasião do Natal vêm à Igreja. Do mesmo modo, não surte efeito positivo demorar-se na análise de problemas históricos como os em torno do censo. O culto de Natal não é o lugar para se informar os ouvintes sobre o atual estado da pesquisa histórico-crítica. Ele é, antes, a ocasião para anunciar o nascimento de Jesus de tal maneira que a luz eterna venha a lançar o seu brilho para dentro das trevas. Independente dos motivos que levaram tantos a frequentarem o culto de Natal, importa anunciar Cristo. E isto não é outra coisa do que anunciar grande alegria. Quem, ao ouvir a história do nascimento, não experimenta a alegria…, a este Cristo ainda não nasceu (Lutero). Recomendamos a leitura de Euch ist heute der Heiland geboren, de H. Meyer.

2. Reflexões exegético-teológicas

a) Manifestou-se a graça de Deus

Quando ouvimos que a impiedade e as paixões mundanas devem ser renegadas e que devemos ser zelosos de boas obras, pensamos assustados: Essa não! Nem mesmo na data natalina podemos poupar os nossos ouvintes de admoestações. Existe aí de fato o perigo de se moralizar. Mas, vejamos bem!

O texto inicia: Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens (v.11). É um ato consumado!

Nada neste mundo pode impedi-lo. Deus agiu em seu infinito poder. E nada pode anular este ato de Deus. Ato consumado. Isso tudo é expresso pelo aoristo epephané.

Aqui não se trata de uma projeção do pensamento humano. A manifestação da graça de Deus também não é um mito. Ela é um acontecimento histórico. A manifestação da graça é uma criança, um judeu, um homem que falou e agiu e morreu na cruz. Tão histórica, tão incontestavelmente real é a manifestação da graça de Deus quanto tua e minha existência sobre a terra (P. Brunner).

Esta graça, manifesta em Jesus Cristo, é a misericórdia de Deus para com os homens desviados e a merecer o juízo. Deus lhes devolve gratuitamente a vida que eles próprios destruíram. Desta forma, a graça de Deus é algo sem precedentes e incompreensível.

Ela pode ser descrita como graça salvadora. Salvar é, pois, a finalidade última do agir de Deus. A salvação que vem dele é total. Não se trata meramente da cura de alguns sintomas.

As raízes são atacadas. A doença não era mesmo qualquer uma, mas sim doença para a morte (Kierkegaard) , isto é, afastamento de Deus. A graciosa cura consiste exatamente nisto: Que Deus se tornou tão próximo de nós, que ele no milagre de Natal se manifestou como Emanuel , Deus conosco. Isto é graça! E ela vale para todos os homens. Não há distinção. Se alguém é rico ou pobre, feliz ou infeliz, empregador ou empregado, negro ou branco, alguém respeitável ou um coitado, homem ou mulher, a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens (v.11).

Ninguém está excluído! E quem foi atingido por ela, verá transformação.

b) A graça de Deus educa

Ela educa, mas não como um educador da escola antiga. A vara perde o seu papel no processo educativo. A obra iniciada através da graça justificante tem continuidade no dia a dia do cristão. Em outras palavras: A nossa vida é transformada, e isto exatamente por a graça se manifestar em extrema fraqueza, ou seja, na criança deitada em uma manjedoura e no homem pendurado numa cruz.

A graça age em nós e faz com que tornemos decisões (v.12). É respeitado que. temos vontade própria. Por isso não há uma ação automática. A graça cria entre nós algo que poderíamos designar de responsabilidade pessoal. P. Brunner, ao interpretar o nosso texto, chama atenção para a diferença que existe entre decisão cristã e decisões tomadas no âmbito da “iustitia civilis” ou de uma ética humanitária. Na iustitia civilis ou numa ética humanitária, o homem encontrava-se sozinho com a sua razão. Sob a graça é diferente. Aqui o homem não está sozinho com a sua razão. Porque Deus é por mim, ele está junto de min, e minha razão com seu espírito e com os seus dons. Essa graciosa presença de Deus não esmaga a minha responsabilidade pessoal. Não obstante seu poder, a graça está em relação a mim como a criança da manjedoura, sem força opressiva. Se a graça de Deus não me convence em sua humildade e fraqueza, então ela também não regenera a minha vida. Assim sendo, a graça liberta humildemente o nosso querer para responsáveis decisões e ações pessoais.

Nossas decisões, possibilitadas pela graça, voltam-se contra as raízes do mal, contra a impiedade e as paixões mundanas. O termo mundano deve ser entendido no sentido de I Jo 2,16: Porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida não procede do Pai, mas procede do mundo.

Não acontece, porém, somente o abandono da impiedade e das paixões mundanas, isto é, de tudo o que não procede de Deus. Há, sobretudo, uma concretização de uma vida agradável a Deus. A vida do cristão assemelha-se aos israelitas quando reconstruíram Jerusalém após o exílio babilônico. Com uma mão maneja-se a arma contra os inimigos, com a outra é edificado o muro (Ne 4.11).

A conduta agradável a Deus é descrita com palavras do ideal de vida e da ética grega. Com respeito ao próprio eu, uma vida sensata (disciplinada); com respeito aos semelhantes, uma vida justa; com respeito a Deus, uma vida piedosa. Ali onde atua a graça de Deus, torna-se realidade o que a ética grega ordenava as forças humanas (J. Jeremias, comentário, p.164). O que não era possível cumprir, agora é uma realidade.

c) No presente século

Com isso nós não somos chamados para um mundo imaginário. Não somos arrancados do ambiente em que vivemos. A graça de Deus não passou de largo pelo nosso mundo como se ele estivesse fora do alcance da divina intenção salvífica. Ao contrário! Exatamente neste mundo é que brilha a graça de Deus. Neste mundo, em que se luta pela sobrevivência, em que existe anseio por um salário mínimo mais justo, em que os preços sobem assustadoramente; neste mundo, em que países estão preocupados em se sobrepor aos demais a fim de tirarem sensíveis vantagens para si; neste mundo, em que a corrida armamentista continua, em que os que se empenham por justiça sofrem atentados, é exatamente nele que a graça apareceu. Manifestando-se, ela revelou a debilidade das estruturas do mundo a ponto de estas não mais poderem ser a última palavra. É nele que devemos agir. É aqui que devemos tomar nossas decisões responsáveis, das quais falamos anteriormente. A graça revelada é luz suficiente para o teu pé na escuridão do mundo (P. Brunner).

Todo o nosso agir está carregado pela esperança, pois a criança na manjedoura já abalou as estruturas e tudo o que se opõe à vida já está condenado. O nosso texto diz: Vivamos no presente século e continua: aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus (v.13). Se Deus disse A, então ele também dirá B. Se revelou a sua graça, revelará também de maneira definitiva a sua glória. Da luz da graça para a luz da glória, este é o caminho do cristão e da Igreja de Cristo. O início da glória já se deu com a ressurreição de Jesus Cristo. Aliás, esse fato guarda a graça de cair em descrédito. Não nos entregamos a uma ilusão ao confiarmos no poder vivificante da graça de Deus. Assim sendo, nossas decisões e nosso agir “neste século” encontram-se no horizonte da esperança cristã.

Com isso não há lugar para uma moral burguesa. As obras dos cristãos são sinais. De nenhuma maneira terão o valor de méritos aos quais pudéssemos recorrer no dia do Juízo Final. Aí somos remetidos a Jesus Cristo o qual a si mesmo se deu por nós (v.14).

É a partir daí que cristãos são zelosos de boas obras. Não o são no sentido das obras da lei. Desde que a graça de Deus se manifestou salvadora, há vida mais humana para a humanidade.

3. Quanto à prédica

Para a comunidade deve ficar claro que o nosso agir está fundamentado exclusivamente na graça de Deus que se manifestou em Jesus Cristo, isto é, na entrega deste por nós. Trata-se de mostrar a que consequências leva a boa nova de Natal. O evangelho deve ser pregado, e não a lei. Sugiro seguir os passos que nos nortearam na exposição acima:
a) manifestou-se a graça de Deus
b) a graça de Deus engaja o homem
c) este engajamento dá-se no presente século
d) agimos em esperança

4. Literatura

JEREMIAS, J.Epístolas a Timóteo Y a Tito. Madrid, 1970;
DIBELIUS, M/CONZELMANN, H. Die Pastoralbriefe. HNT 13. 4ª. ed., 1966;
WENDEBOURG, E. Meditação sobre Tito 2,11-14. In: Calwer Predigthilfen. Vol 8. München, 1969;
BRUNNER. P. Meditação sobre Tito 2,11-14. In: Herr, tue meine Lippen auf. III Vol, Wuppertal -Barmen, 1962.

Ir para índice do PL 2

 

Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).

Sínodos

da Amazônia
Brasil Central
Logo do Sínodo Centro-Campanha Sul
Centro-Campanha Sul
Centro-Sul
Catarinense

Espírito Santo a Belém
Sínodo Mato Grosso
Mato Grosso
Nordeste Gaúcho
Noroeste Riograndense
Norte Catarinense
Paranapanema
Planalto Rio-Grandense
Rio dos Sinos
Rio Paraná
Rio Paraná
Sudeste
Sul-Rio-Grandense
Uruguai
Vale do Itajaí
Logo do Sínodo Vale do Taquari
Vale do Taquari

Add Your Heading Text Here

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore magna aliqua. Ut enim ad minim veniam, quis nostrud exercitation ullamco laboris nisi ut aliquip ex ea commodo consequat. Duis aute irure dolor in reprehenderit in voluptate velit esse cillum dolore eu fugiat nulla pariatur. Excepteur sint occaecat cupidatat non proident, sunt in culpa qui officia deserunt mollit anim id est laborum.