O que uma horta comunitária tem a ver com a teologia luterana e a sustentabilidade ambiental? Este artigo conta a experiência da Horta Comunitária que surgiu na Comunidade Evangélica Luterana em Canabarro, na cidade de Teutônia/RS, no âmbito do Sínodo Vale do Taquari. A Horta Comunitária é um exemplo de como a fé luterana se concretiza na solidariedade e no cuidado com a criação divina.
A Horta Comunitária nasceu em 2020, no início da pandemia de Covid-19, como resposta solidária às crescentes necessidades sociais e alimentares no município. A iniciativa partiu da Pastora Cristiane Echelmeier, Mirian Magedanz e Rosita Schneider, da Comunidade Evangélica Luterana em Canabarro, um distrito de Teutônia.
A comunidade colocou à disposição o terreno ao lado da igreja, da praça e dos pavilhões comunitários. A ideia inicial era simples: complementar as cestas básicas já distribuídas com alimentos frescos e nutritivos, cultivados de forma agroecológica e coletiva. Atuar em um sistema de troca igualmente fazia parte da proposta.
Desde então, a horta cresceu e se consolidou como um espaço de cultivo, cuidado e pertencimento comunitário. Regularmente, ela beneficia cerca de 40 famílias, com uma produção que alcança mais de 10 mil hortaliças por ano. A Horta também destina excedentes ao hospital local e a outras iniciativas sociais.
Em 2025, estão em fase de implementação o Jardim Naturalista, os canteiros de flores ornamentais de corte e a produção de mudas de flores. A comercialização pretende reforçar a sustentabilidade econômica da Horta Comunitária.
Mas não somente a sustentabilidade econômica está no foco das novas iniciativas. O Jardim será um espaço de preservação e cultivo de espécies do bioma Pampa e da Mata Atlântica, além de proporcionar o equilíbrio do clima, mitigando os impactos no perímetro urbano.
A lógica operacional da Horta Comunitária é a da gestão coletiva dos comuns – uso da terra, cidadania, direito à natureza e segurança alimentar. Transcendendo a produção de verduras, tornou-se uma experiência concreta de economia solidária, reforço de vínculos comunitários e prática de resistência ao modelo individualista, monetizado e competitivo, hegemônico na sociedade.
Para além da função alimentar, a Horta se tornou um lugar de convivência e aprendizagem, unindo gerações e saberes.
Escolas locais realizam ali atividades que vão da semeadura ao preparo de alimentos. Com isso, a Horta dissemina e fortalece noções de sustentabilidade, soberania alimentar e saúde nutricional. Semanalmente, o Centro de Atenção Psicossocial e Grupo do Centro de Referência em Assistência (CRAS) municipal também desenvolve algumas de suas oficinas terapêuticas com manejo do solo e cultivo.
Dessa maneira, a Horta consolida-se como um movimento social ambientalista de base comunitária que perdura no tempo e mantém a mobilização e a unidade entre seus membros. De igual modo, constrói um capital social com diferentes instituições.
Ao propor formas criativas de organização social baseadas na cooperação, na dignidade e no cuidado compartilhado, a Horta Comunitária insere-se no rol de movimentos contemporâneos pelo Reencantamento do Mundo.
O projeto existe e subsiste graças ao trabalho voluntário. Esse trabalho é realizado por aproximadamente 30 pessoas, organizadas em mutirões aos sábados e nas quintas de manhã.
Há dois perfis principais: o primeiro grupo é composto por pessoas que vivem algum grau de vulnerabilidade e colaboram no cultivo e nas oficinas. Em contrapartida, elas recebem alimentos ali produzidos, roupas e outros apoios.
O segundo grupo, por seu lado, representa pessoas que doam seu tempo e competências pelo desejo de ajudar, pela oportunidade da exposição à natureza e senso de pertencimento.
Por fim, em 2025, junta-se ao mutirão de voluntariado um terceiro perfil. Este é formado por pessoas encaminhadas pelo judiciário, para cumprimento de prestação de serviços à comunidade.
Toda esta dinâmica de trabalho visa a evitar o mero assistencialismo. Além disso, ela reforça uma lógica de solidariedade com base no engajamento comunitário.
A partir das relações estabelecidas entre a comunidade e o grupo de voluntariado, e em resposta às necessidades e produtos da própria Horta, foram criados diferentes eixos e frentes de atuação:
A Martim Lutero é atribuído o dito: “se soubesse que o mundo acabaria amanhã, ainda hoje plantaria uma macieira”. A frase transmite a confiança ativa, ou seja: confiar que as coisas podem ser diferentes e fazer a sua parte. Da mesma maneira, o plantio de uma árvore representa esperança e cuidado com a criação de Deus.
A Horta Comunitária tem esta perspectiva. Ela é uma reposta prática ao compromisso comum de cuidar da terra com amor, respeitando o equilíbrio da criação, valorizando os ciclos da natureza e proporcionando a vivência coletiva.
A fé viva, ativa no amor, não pode deixar de fazer o bem continuamente. Este pensamento de Lutero aponta para a vivência da fé. Aliás, a vivência da fé torna o evangelho visível na prática, semeando pequenos sinais do Reino de Deus neste mundo. Justiça ambiental, cuidado com a criação, equidade de gênero, solidariedade, são exemplos da fé ativa no amor.
Além da atividade de ensino, Lutero escrevia muito e visitava comunidades. Enquanto isto, sua esposa, Catarina von Bora, garantia o sustento da família e a administração de uma casa que recebia muitas pessoas como hóspedes. Isto ela fazia através do cultivo de uma horta e de um pomar, de onde vinham legumes, frutas e ervas medicinais para o bem-estar e a saúde.
Ela também criava animais, produzia cerveja, manteiga e queijos, além de arrendar as terras para cultivo, demonstrando ser mulher empreendedora e articuladora.
Ainda hoje, Catarina é fonte de inspiração para homens e mulheres no aproveitamento dos recursos da terra com sabedoria e responsabilidade, assim como no uso dos benefícios das plantas medicinais em tratamentos de saúde.
Catarina era mulher determinada e preocupada com a boa alimentação de sua família e das pessoas que se hospedavam em sua casa. Semelhantemente, as tantas mulheres que vem e vão na Horta Comunitária buscam garantir bem-estar e hortaliças na mesa de suas famílias.
Sem dúvida, esta forma de trabalho com a terra é parte da vivência da espiritualidade cristã. Temos, inegavelmente, uma conexão com a terra e toda diversidade da boa criação de Deus.
Catarina von Bora nos ensina que plantar, colher e cuidar da vida é uma forma de adorar a Deus. Seu exemplo mostra que o evangelho floresce também no quintal, na horta e nas mãos de quem serve com amor. Afinal, a verdadeira fé se manifesta em amor prático no cotidiano e busca vida com dignidade para todas as pessoas.
Colaboraram com o texto: Nicole Schneider, Anderson Kilpp, Michele Valent e Pastora Cristiane Echelmeier
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