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O calendário marca o tempo com base em dias, semanas e meses. Cada dia que passa é um passo numa caminhada cheia de ciclos: finda um dia, nasce o seguinte; termina a semana, inicia-se outra; após o fim do mês, vira-se a folha do calendário e a vida segue em frente. E assim passam-se os anos. Os ciclos se renovam e nós vamos envelhecendo.

 

Calendário litúrgico

Também a igreja cristã possui um calendário baseado em ciclos. Trata-se do calendário litúrgico, que organiza o tempo da igreja e nos estimula a celebrar os eventos mais importantes da fé. O ano litúrgico não coincide com o ano civil. Enquanto o ano civil começa no primeiro dia de janeiro, o calendário eclesiástico inicia com a primeira semana de Advento.

Durante o ano litúrgico, celebramos os acontecimentos em torno da vida, morte e ressurreição de Jesus, a vinda do Espírito Santo e a vida da igreja no mundo. Lembramos o que aconteceu no passado, celebramos o presente e olhamos confiantes para o futuro.

 

Ciclos do calendário litúrgico

O tempo litúrgico não marca o envelhecimento, mas renova a vida comunitária a cada ciclo. Há três grandes ciclos no calendário do ano litúrgico:

 

 

Quaresma: 40 + 6

Com a Quaresma, iniciamos o Ciclo da Páscoa. A expressão “Quaresma” provém do termo latino quadragesima (quadragésimo) e indica o período de 40 dias que inicia com a Quarta-Feira de Cinzas.

A época da Quaresma é conhecida como tempo de jejum. O jejum é uma prática muito antiga, que as comunidades cristãs herdaram do judaísmo. Ele se caracteriza pela abstinência de determinados alimentos, pela prática de penitência e boas obras e por reflexão sobre os sofrimentos de Cristo.

Nos primeiros tempos do cristianismo, os dias mais comuns de jejum eram a Sexta-feira Santa e o Sábado Santo, ou Sábado de Aleluia. Mais tarde, o jejum estendeu-se por toda a semana santa e, finalmente, estabeleceu-se um período de 40 dias. Este período de jejum era especialmente destinado a pessoas que faziam a preparação para o batismo.

O tempo de 40 dias tem ligação com o período que Jesus passou no deserto jejuando (Mateus 4.2). Há outras experiências bíblicas em torno deste número simbólico: o povo de Israel peregrinou por 40 anos no deserto (Êxodo 16.35), Moisés permaneceu por 40 dias no monte Sinai (Êxodo 24.18), Elias fez uma caminhada de 40 dias (1 Reis 19.8).

Os domingos do tempo de Quaresma são excluídos do jejum, por isso há 46 dias entre Quarta-Feira de Cinzas e Páscoa. O domingo foi a primeira e mais importante festa cristã. A cada domingo, as primeiras comunidades cristãs celebravam a Páscoa – a fé na ressurreição. Em dia de festa, não precisa ter jejum!

 

Uma data móvel

Diferentemente do Natal, que tem data fixa no mês de dezembro, a Páscoa é uma festa móvel. Nos primeiros séculos do cristianismo, não havia data específica para a celebração da Páscoa. O Concílio de Nicéia, realizado no ano 325 d.C., estabeleceu que ela fosse celebrada no domingo posterior à primeira lua cheia da primavera. Esta definição, entretanto, leva em consideração o hemisfério norte. No hemisfério sul, que é o caso do Brasil, seria a primeira lua cheia do outono.

Como funciona o cálculo da Páscoa na prática:

 

Considerando o calendário lunar, a Páscoa pode ocorrer entre os dias 22 de março e 25 de abril.

 

 

Por que cinzas na quarta-feira?

As cinzas simbolizam lamento, arrependimento, penitência, como podemos ver nos seguintes textos bíblicos:

 

Na Igreja Católica, as cinzas são abençoadas e aplicadas na testa em forma de cruz. A cruz era um instrumento de tortura no Império Romano e foi numa cruz que Jesus morreu. A cruz, desenhada com cinzas, convida à reflexão sobre o sofrimento e a ação de Cristo por nós. Da mesma forma, a cruz com cinzas é um chamado à fé, ao arrependimento, e à mudança de vida, conforme Jesus anunciou: O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo; arrependam-se e creiam no evangelho (Marcos 1.15).

 

Um tempo diferente

A leitora e o leitor, que já viveram alguns ciclos de vida a mais, possivelmente recordam que, em décadas passadas, a Quaresma era marcada por certo rigor e severidade. Certos alimentos saíam do cardápio, evitava-se ouvir música ou cantar, não havia casamentos e nem bailes neste período. Mas quando se perguntava sobre os motivos destas restrições, nem sempre se conhecia uma resposta. Isso é comum quando costumes se acomodam como uma tradição irrefletida.

Nos dias atuais, a Quaresma já não usufrui do interesse e da importância que teve no passado. Mas muitas pessoas ainda procuram viver este tempo de forma diferenciada. Há pessoas que se abstêm de algo no período da Quaresma, ou seja, abrem mão de coisas que gostam ou consideram importante. Isto pode estar relacionado a comidas e bebidas, mas também pode significar deixar de comprar alguma roupa, limitar o uso de redes sociais, diminuir atividades. Esta é uma forma de jejum voluntário e intencional.

 

Uma oportunidade de reflexão e ação

A disposição para mudar hábitos é válida e abre o caminho para reflexão. Ao deixar de comprar algo, podemos levantar perguntas sobre a produção daquilo que consumimos. Como as pessoas são remuneradas e em que condições trabalham? Que recursos naturais são utilizados? Qual a consequência para a criação divina? Precisamos de tudo o que consumimos?

O profeta Isaías diz que o jejum que agrada a Deus é aquele que leva a repartir e a solidarizar-se com pessoas necessitadas: Será que não é este o jejum que escolhi: que vocês quebrem as correntes da injustiça, desfaçam as ataduras da servidão, deixem livres os oprimidos e acabem com todo tipo de servidão? Será que não é também que vocês repartam o seu pão com os famintos, recolham em casa os pobres desabrigados, vistam os que encontrarem nus e não voltem as costas ao seu semelhante?” (Isaías 58.6s).

Seja como for, a Quaresma é tempo de preparação e espera. Enquanto esperamos pela Páscoa, lembramos a trajetória de Jesus Cristo, especialmente o seu sofrimento em nosso benefício. Enquanto esperamos pela Páscoa, podemos buscar sentido para o tempo de Quaresma através da vivência do amor, da prática da justiça e da promoção da paz. Abençoada Quaresma!

 

Pastor Emilio Voigt