O que faz a narrativa bíblica do Natal ser tão especial?
Acredito que não seja, em si, a figura de Maria. Maria era uma jovem de cerca de 12 ou 13 anos. Moça simples. Ela mesma se surpreendeu por ter sido a escolhida para ser a mãe do Filho de Deus. Um anjo apareceu à Maria e a saudou dizendo: “Alegre-se, Maria! Você é muito abençoada”. E então anunciou que ela ficaria grávida de uma criança que seria chamada de filho do Deus Altíssimo e que deveria colocar nessa criança o nome de Jesus, que significa: “O Deus Eterno salva”. Nada aconteceu contra a sua vontade. Ao final da conversa com o anjo, Maria exclamou: “Eu sou uma serva de Deus, que aconteça comigo o que o senhor disse.” Pouco tempo depois, na casa de Isabel, Maria louvou a Deus bendizendo seu nome porque ele havia se lembrado dela e porque Deus acompanhava o seu povo, derrubando dos seus tronos reis poderosos, colocando as pessoas humildes em altas posições e dando fatura àquelas que têm fome!
Também não creio que, em um primeiro momento, seja a figura do José que nos impressiona. Ao que tudo indica, José certamente tinha mais idade do que Maria. Quando ele soube que Maria estava grávida antes do casamento, decidiu deixá-la em secreto, para proteger sua vida. De acordo com os costumes da época, ele poderia difamá-la por isso e, então, ela estaria sujeita a morte por apedrejamento. A decisão de José sobre difamar ou não a Maria, para ela, era uma questão de vida ou de morte. Quando um anjo lhe falou em sonho e disse para não ter medo de receber Maria como sua esposa porque ela estava grávida do Filho de Deus, José aceitou e seguiu ao seu lado. Também ele recebeu a ordem de chamar o menino de Jesus. Pelas leis do seu tempo, isso significava adotar a criança como seu próprio filho.
Será, então, que é o lugar onde Jesus nasceu que faz desta narrativa tão especial? Creio que não. Uma estrebaria, com o cheirinho do esterco e os sons das galinhas, galos, patos, grilos e sapos que ficam em volta nunca foi, em si, um lugar atrativo. É claro que, quem de nós tem um “pezinho” no interior, curte estar de vez em quando nesse ambiente e se alegra com o mugido do boi e da vaca. Mas, não; estrebarias nunca se tornaram lugares turísticos.
A Belém da época, aqui mencionada, também não se mostra muito atrativa. Era uma cidade bem pequena, mas muitas pessoas estavam por lá, por conta do censo exigido pelo imperador. Aliás, desde o ano 31 a.C até o ano 14 d.C, ou seja, durante 45 anos, o Imperador César Augusto deteve o poder em todo o Império Romano. Ele queria saber quantos homens, especialmente, havia em seu território, por conta das constantes guerras. Os homens judeus não precisavam servir no exército, mas também deveriam pagar impostos sobre tudo o que produziam. O interesse do Imperador César Augsuto com o censo era, portanto, econômico e militar. Por conta do censo José foi para Belém e Maria foi com ele, segundo o evangelista, para se cumprir a profecia do nascimento do Salvador neste lugarejo, onde havia nascido o rei Davi. E não havia lugar para hospedar o casal.
Belém significa a casa do pão. Lembram da história de Noemi e de Rute? Noemi saiu de Belém com seu esposo porque em Belém houve uma grande seca e não havia mais o que colher da terra; tempos depois, quando já haviam falecido seu esposo e seus dois filhos, ela voltou a Belém, com Rute, sua nora, porque em Belém havia pão novamente.
Também não creio que seja, em si, o nascimento de um menino judeu chamado Jesus que faça com que essa narrativa seja contada há dois mil anos, em tantos lugares. Porque crianças nascem a todo instante. E é lindo! Elas mudam a vida das famílias, mas não é um fato, em si, extraordinário.
Querida comunidade reunida em culto de Natal! A novidade está no que vislumbramos com os olhos da fé. Nesse sentido, sim, toda essa narrativa é extraordinária, fora do comum, inédita! Nós cremos na notícia do anjo de que essa criança é o Emanuel – o Deus conosco! Deus quis se tornar ainda mais próximo e, por isso, se tornou pessoa e veio morar entre nós. Para mostrar que veio para toda gente, sem distinção, nasceu do jeito mais humilde possível no contexto da época. Onde ele teria nascido hoje?
E foram os anjos – novamente os anjos –, que anunciaram a boa nova do nascimento do Salvador a um grupo marginalizado na sociedade da época: gente rude, que se ocupava com o cuidado do rebanho nos campos de Belém. Esse grupo de pastores, talvez pastoras também, foi depressa à procura do Deus criança.
“Maria guardava tudo isso no coração” (Lucas 2.19). Os pastores, por sua vez, voltaram para os campos cantando hinos de agradecimento a Deus por tudo o que haviam ouvido e visto. E o texto conclui dizendo: “E tudo era justamente como o anjo havia falado” (Lucas 2.20).
Os anjos, na Bíblia, têm a função de proteger e de cuidar, assim como nos mostra a história de Daniel na cova dos leões (Daniel 6.22) ou da libertação do apóstolo Pedro da cadeia (Atos 12). Anjos têm a função, também, de anunciar boas notícias e trazer esperança, como acabamos de ouvir no relato do evangelista Lucas.
A fé nos faz perceber para além das aparências o presente de Deus no primeiro Natal: a sua presença por meio do Jesus criança! Deus veio morar entre nós. Ele está aqui com a gente. Deus está em todo o lugar onde acontece o que se passa aqui nessa narrativa:
– onde homens se colocam em defesa das mulheres contra a violência, assim como José o fez;
– onde mulheres têm direito de dizer sim ou não e assumem com alegria, determinação e coragem a missão ou as tarefas a que se propõem, assim como Maria;
– onde no cotidiano se experimenta sinais da justiça divina, inclusive nos espaços públicos;
– onde gente simples é valorizada, incluída e também se torna protagonista das coisas boas e bonitas da vida;
– onde pessoas comuns como nós se tornam anjos na vida umas das outras, por meio do cuidado oferecido, do carinho, de palavras de esperança.
Deus está presente quando a nossa vida de torna o que indica a palavra Belém – a casa do pão, da partilha.
“Que o Natal comece no seu coração. Que seja para todas as pessoas, sem ter distinção. Um gesto, um sorriso, um abraço, o que for, o melhor presente é sempre o amor” (L e M: Roupa Nova).
Amém.
Pa. Scheila dos Santos Dreher