A COP 30 acontece entre os dias 10 e 21 de novembro, em Belém do Pará. A comunidade local da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB participa ativamente e de diferentes maneiras neste grande evento mundial. Para falar sobre o envolvimento da comunidade de Belém e percepções da COP 30, convidamos o Pastor Dr. Romeu Martini. Ele acompanha a comunidade desde janeiro deste ano e concedeu a seguinte entrevista:
Eu entendo que a Comunidade de Belém vivencia a COP 30 especialmente de três formas:
Primeiro, nós temos vários membros envolvidos em discussões relacionadas à COP. Há várias pessoas que realmente são engajadas em temas do interesse público. A Paróquia de Belém tem essa história de uma igreja que quer ser sal e luz no mundo e não fica fechada em si mesma.
Uma segunda maneira é a participação no Tapiri Ecumênico e Inter-religioso, sob a coordenação da CESE, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço, de quem a IECLB é membro desde a fundação. O Tapiri tem também o seu local de encontro aqui em Belém e está desenvolvendo uma série de diálogos que vão culminar em um culto ecumênico.
Uma terceira forma de participar da COP30 é que nós abrimos o espaço comunitário para acolher pessoas e grupos. Além de quartos para hospedagem, da cozinha e banheiros, a nossa capela está disponível para diversas atividades. Temos aqui a representação da Federação Luterana Mundial, bem como pessoas da Bolívia, do Peru, da Argentina, do Panamá. Além disso, está conosco o grupo de jovens da IECLB que realiza aqui a COP da JE.
De forma especial, quero mencionar o Diálogo de Talanoa, que aconteceu na nossa capela. O Diálogo de Talanoa tem sua origem em tradições de ilhas do Pacífico e foi usado na COP 23. Talanoa significa dialogar com propósito e respeito. Este diálogo pressupõe 3 perguntas: Onde estamos? Para onde queremos ir? E como faremos para chegar lá? Também as igrejas assumiram esta forma de diálogo. Assim, estiveram aqui em torno de 120 pessoas representando as mais distintas igrejas do mundo.
Há muitas representações de igrejas na COP que participam de diferentes grupos e iniciativas. Um exemplo é a inserção de lideranças da Paróquia na iniciativa interreligiosa do Tapiri. No diálogo de Talanoa, ficou evidente que há muitas igrejas envolvidas localmente e até de forma global nas discussões relacionadas às mudanças climáticas. As igrejas têm muito a contribuir e estão fazendo isto.
Mas ouvi também uma preocupação de representantes de distintas igrejas. Tanto pessoas de igrejas históricas, como a Luterana, Metodista e Anglicana, como pessoas de igrejas pentecostais, relataram a dificuldade de fazer com que as pessoas compreendam o drama das mudanças climáticas. Ainda existe muita resistência e até uma certa teologia que diz o seguinte: o mundo está perdido, não tem o que fazer. O que está aqui vai passar, o que interessa para nós é a eternidade. Isso preocupa porque as mudanças climáticas estão aí e é parte da nossa responsabilidade cristã cuidar desse mundo que Deus criou.
Na primeira página da Bíblia, eu diria, na primeira linha da Bíblia, eu identifico a nossa responsabilidade diante das mudanças climáticas. Foi Deus que criou o céu e a terra. Depois, Deus criou a luz e foi criando, foi criando, e chegou à conclusão de que tudo o que ele havia feito era muito bom. Esta é a confissão de fé que a Bíblia nos traz.
Quando fala da criação do ser humano, a Bíblia também diz que é tarefa do ser humano zelar da criação. Então, essa é a base bíblica e também da confessionalidade luterana. Com base nessa fundamentação bíblica, temos uma responsabilidade e um desafio diante da resistência em relação ao tema. De alguma maneira, precisamos encontrar formas para que as pessoas abram o seu coração e entendam que a questão das mudanças climáticas tem a ver com a nossa fé.
No Diálogo de Talanoa, uma senhora disse que não adianta muito falar a partir da ciência nas comunidades. Precisamos partir da Bíblia. Neste sentido, temos uma tarefa de buscar com mais intensidade a fundamentação bíblica, os motivos a partir da fé.
Talvez a gente possa explicar a partir da compreensão sobre o que é “justo”. Por exemplo: entendemos ser justo que cada pessoa tenha o direito de comer, de um bom lugar para dormir, um bom lugar onde conviver. Para quem trabalha, é justo que tenha um bom local de trabalho. Pais e mães entendem que é justo que seu filho ou sua filha tenha acesso à escola, à educação.
A gente poderia até pegar como base a explicação do pão nosso, a partir de Martim Lutero. Para Lutero, pão significa tudo aquilo que precisamos para viver. Lutero entende que é justo que todo mundo tenha acesso ao pão. E o pão, assim como ele explica, também é a natureza.
A criação de Deus é, no seu conjunto, um ser vivo. A gente sabe que uma árvore tem vida, que os pássaros têm vida. Mas agora estou entendendo melhor que a criação, no seu conjunto, é um ser vivo. E é justo que a criação permaneça no seu conjunto, no equilíbrio dos distintos seres que formam o todo. É justo manter o funcionamento desse conjunto, que é a criação. Eu chamaria a manutenção desse conjunto de justiça climática.
É claro que alguém vai dizer que, no passado, houve desastres, algum vendaval, alguma enchente. Mas não há como negar que esse conjunto da criação foi abusado. E exatamente pelo abuso na criação, por exemplo, no abuso do corte de árvores e no abuso da água, que surgem os desequilíbrios. Há um grande desequilíbrio na natureza e isso é injusto. Então, para mim, justiça climática é uma questão de dar à criação de Deus o direito de continuar viva no equilíbrio que Deus criou.
A harmonia foi desestruturada e a natureza está reagindo. As reações são cada vez mais seguidas e mais fortes. Como isso nos afeta? Bom, no Rio Grande do Sul, sabemos muito bem o que as enchentes representaram. Agora, recentemente, tivemos no Paraná uma cidade praticamente destruída pelos ventos.
A reação da natureza, porque ela foi desequilibrada, está causando feridas. Então, temos famílias que, por causa das enchentes, precisam se deslocar do local onde viviam. Sua história foi afogada. A casa se foi, a história afogou, a flor já caiu, só a lama ficou. A lama afogou a história de muita gente, então está afetando as pessoas.
Mesmo a pessoa que não é atingida diretamente não pode dizer que não foi afetada. Imagina quantos recursos tiveram e terão que ser investidos para recuperar os estragos? E esses recursos poderiam ser investidos em tanta outra coisa, da qual nós sentimos falta. Então, a crise climática atinge a todo mundo, afeta todo mundo.
Ajuda pouco a sensibilizar e mobilizar pessoas se a gente fica só no discurso. É preciso mostrar para as pessoas, confrontar as pessoas com exemplos de ações que já causaram mudanças. Vou citar alguns. O primeiro é aquele exemplo do já falecido fotógrafo Sebastião Salgado que, com sua esposa, investiu numa terra praticamente deserta. Depois de alguns anos, o casal recuperou a mata e os mananciais daquele lugar.
O Sínodo Espírito Santo a Belém também trabalhou na recuperação de fontes de água e no plantio de árvores, especialmente no estado do Espírito Santo. No Rio Grande do Sul, a FLD tem projetos na região do Pampa, que conseguiram recuperar fontes de água que tinham desaparecido. Eu acho que a água é uma das coisas mais sensíveis para que pessoas reajam e digam: nós temos que fazer algo. Então, precisamos mostrar exemplos que despertam as pessoas para trabalhar em favor do conjunto da natureza.
Eu quero voltar e insistir nas primeiras páginas da Bíblia. Deus criou um mundo bonito, aliás muito bom. E diz lá na Bíblia que Deus colocou o ser humano como zelador. Aqui está a raiz da nossa responsabilidade.
Penso que a gente deveria tentar “cavoucar” mais fundo nessa palavra que a Bíblia de Almeida traduz como zelar ou cuidar. O que isso significa, a partir da compreensão hebraica do Antigo Testamento? Zelar é algo muito relativo. Por exemplo, se contratar alguém para zelar o pátio da comunidade, uma pessoa vai cortar a grama e cuidar das flores de um jeito. Já uma outra pessoa vai cuidar de um outro jeito. Então, o que é exatamente “zelar”?
Em segundo lugar, nós vivemos aqui, neste mundo criado por Deus, como um conjunto vivo. O desequilíbrio desse conjunto vai nos atingir. Então, é preciso reencontrar o equilíbrio, a sintonia de vida entre o ser humano e a natureza. E isso vai nos permitir viver em harmonia com essa natureza. E também nós poderemos viver mais tranquilos. Porque hoje, do jeito como está, quem é que está tranquilo, dado o número de tragédias que estão acontecendo?