Proclamar Libertação – Volume 10
Prédica: Lucas 24.50-53
Autor: Werner Fuchs e Renato Becker
Data Litúrgica: Ascensão do Senhor
Data da Pregação: 16/05/1984
1. Aspectos relevantes
Lucas, o evangelista, produziu uma obra de dois volumes, Lucas e Atos, respectivamente. Neste trabalho narrou a história da vida, das palavras e dos atos de Jesus e de seus apóstolos. Dentro disso a narrativa da Ascensão ocupa um lugar de destaque. Feita esta breve instrução, cabe frisar: São inúmeros os pastores, as organizações eclesiásticas e os entendidos, em geral, que se desviam deste momento. Para nós soou estranho, por exemplo, o silêncio que o CASTELO FORTE de 1984 fez no que diz respeito à Ascensão de Cristo. Por que sempre estas repetidas tentativas de driblar este assunto e seu conteúdo? Não resta dúvida, há problemas.
1.1 – Ascensão da Bíblia
No livro de Atos (1.6-11) se percebe a secção que mais informa, na Bíblia, sobre a Ascensão. Já no evangelho de Lucas (24.50-51) este mesmo relato acontece em uma forma abreviada. Ao observarem este detalhe, muitos entendem ter sido possível a modificação do texto ocidental com o acréscimo, por parte dos copistas, de breves adições, a fim de tornar mais completa a mensagem A ausência das mesmas em Lucas tendem a tornar mais clara a narrativa e, da mesma forma, registrar a história da Ascensão.
O evangelho de Marcos carrega em si a desconfiança por parte dos eruditos, de não ter sido original quanto ao assunto (16.19).
Mateus não se refere diretamente à Ascensão mas alude à mesma (cf. 22.44; 24.30; 25.14; 25.31; 26.64).
João não tece qualquer comentário mas dá a entender que conhece a tradição (cf. 3.13; 6.62; 7.33; 13.1; 14.4,23; 16.5; 17.13 e 20.17).
No Antigo Testamento, em Gn 5.24 (Enoque) e 2 Rs 2.11 (Elias) se percebem prefigurações daquilo que é a razão do estudo neste momento, ou seja, a Ascensão de Cristo.
A Bíblia aponta ainda duas maneiras de compreensão para o ser assunto ao céu (Lc 9.51), ser arrebatado (Lc 24.50-53) ser glorificado (Jo 13.31ss), a saber: a) O apóstolo Paulo entendeu a ressurreição de Jesus como exaltação à direita de Deus (Rm 8.34). A partir desta exaltação, Lucas supõe um espaço de quarenta dias que culminam com a Ascensão (At 1.9). A Ascensão é premissa para o envio do Espírito Santo à Igreja em Pentecostes e, depois disso, o retorno de Cristo para o juízo. Conclui-se que Jesus, ingressando no céu, como esfera absoluta do poder de Deus, rege como rei sobre o mundo com o qual, mais tarde, se defrontará na fé e no juízo. A subida é entendida como definitiva. Os textos de Rm 10.6ss; Ef 4.9; F! 2.9; 1 Pe 3.22 e Jo 3.13 comungam com Lucas desta ideia, ou seja, Cristo é o segurador do cetro real e recebe honrarias no céu, do qual, num dia que ninguém sabe, retornará, b) Em Hebreus o relato da Ascensão tem outra conotação. Em 13.20 é ressaltada, única é exclusivamente, a ressurreição. A exaltação é percebida em Hb 4.14; 7.26; 8.1; 9.11ss. Aqui transparece o Jesus que é sumo sacerdote que atravessa uma antessala, o céu para então estar ao lado do Pai.
Cabe ressaltar que no passado a cosmovisão era outra do que a que temos hoje. Se concebia o mundo inserido num contexto de três andares, isto é, o inferno abaixo dos pés, o mundo dentro do visível e do experimentável, o céu acima das cabeças. No presente esta concepção é diferente e para entendê-la basta invocar as recentes descobertas da astronomia com seus infinitos impalpáveis.
Entendemos que no Novo Testamento e na História da Igreja o relacionamento da fé com Cristo sempre foi fé na presença de Cristo, não na sua ausência. É na sua presença que os nossos enfoques precisam ser centrados uma vez que este contato dinâmico de Cristo com os seus, pela fé, ultrapassa toda e qualquer concepção secular, histórica ou cósmica.
A partir destas constatações não fujamos de trabalhar Ascensão. Trabalhemos no sentido de resgatar os conteúdos reais da mesma.
1.2 – Tomada de posição
Cristo se afastou e é em cima deste afastamento que somos chamados a depositar a nossa atenção. Cabe ressaltar que somente no século IV a data da Festa de Ascensão foi colocada como fixa para a cristandade. Antes este festejo tinha lugar junto com a Páscoa. A mudança teve lugar a partir do momento em que o quinquagésimo dia depois da Páscoa foi festejado como Pentecostes. Não resta dúvida, Cristo se afastou corporalmente dos homens e foi para junto do Pai num momento determinado da história, cuja data (40 dias) não é Importante.
Em vista de tudo o que apontamos até aqui, partimos do princípio de que a Ascensão tem o seu proprium, o seu conteúdo peculiar em relação à Páscoa e Pentecostes, independente de opiniões que a colocam mais perto de um ou outro evento. Entendemos que este proprium seja marcado por três aspectos bem distintos:
a) A Ascensão marca o fim das aparições físicas do ressurreto.
b) O ser assunto ao céu destaca a coroação daquele que venceu a morte (na Páscoa) e agora, glorificado, está sentado à direita do Pai.
c) O ser arrebatado prepara para Pentecostes (Lc 24.49) quando o Espírito Santo será derramado. O grande júbilo dos discípulos (Lc 24.52b), a expectativa dos mesmos, está voltada para este momento.
2. O texto
O v.50 afirma que Jesus levou seus discípulos para Betânia. No decorrer do relato se percebe que esta cidadezinha teria sido escolhida como o ponto, o local para Ascensão. Era uma vila, quase sem expressão, situada no outro lado do Monte das Oliveira, a menos de 3 km de Jerusalém, na estrada para Jericó. Se este, de fato, foi o lugar, então Jesus não optou por Belém onde louvores lhe foram entoados. Não preferiu o Tabor onde seres celestiais pairavam ao seu lado, em seu trono, prestando homenagem. Desconsiderou o Calvário onde a sua divindade foi proclamada. Não se lembrou do átrio do templo onde sua própria SHEKINAH brilhara com esplendor místico. Antes de tudo optou por Betânia. Jesus segue sempre o caminho de baixo, a vida simples, os passos humildes, a pedra por travesseiro. Ele não tem onde reclinar a cabeça. Ele é livre para repartir. Não deu qualquer apoio a pompas ou cerimoniais. Já pensaram se nós programássemos este momento?
O versículo em questão diz ainda que Jesus ergueu as mãos e os abençoou. Gn 48.8-20 nos incita a pensar numa bênção paternal. Aqueles homens tinham sido abençoados em vida, suas esperanças tinham sido restauradas e agora, de partida, ele promete a sua presença, o seu poder e o consolo do Espírito Santo. Não é o fim a murchar, mas o início a brotar e ninguém chora, ninguém se lamenta pela carreira aparentemente terminada.
O v.51 testemunha o afastamento de Jesus para o céu. São muitos os manuscritos que sustentam o fato de ele se ter afastado numa nuvem. Aqui Lucas opta pela forma abreviada e, com isso, torna mais simples e clara a narrativa. O fato é que Jesus se afastou do homem vencendo o mundo com bom ânimo para, no mesmo momento, se aproximar indefinidamente mais do homem Uma prova disso é que não se constata mais desespero por parte daqueles que o acompanharam de perto.
No v.52 vem a ideia da reverência que aqueles homens prestaram ao seu mestre quando regressaram com júbilo e alegria para Jerusalém. A palavra adorar é uma palavra forte que tem a ver com cair aos pés de Jesus. Foi isso que os discípulos fizeram, se prostraram. Sua fé se tinha intensificado e fortificando e a adoração, neste instante, assumida uma nova, uma viva significação. Aquele não era apenas um profeta, era o Senhor. Vejam, esta adoração e esta alegria são o oposto da negação, da fuga e da tristeza com que foram invadidos quando da morte de seu Senhor. Contudo, deve ser reconhecido que, conforme Atos, Pentecostes é o momento mais marcante.
O v.53 encerra o Evangelho, que termina no templo, exatamente lá onde iniciou.
Jesus, sem banda de música, sem foguetório, sem plateia paga, na simplicidade que sempre o caracteriza, se afasta do homem e, ao fazê-lo, abençoa-o, garantindo a continuidade de sua presença. A fé não depende mais do homem de carne e osso. É a nova fase que vem.
3. Meditação
Hoje, quando meditamos sobre a Ascensão de Cristo, é perfeitamente cabível se chegar à conclusão de que Cristo de fato se foi há dois mil anos. Há aqueles que argumentam, sem pestanejar, com a ausência de Cristo do globo terrestre quando apontam para as incoerências existentes.
A morte está presente no planeta terra. O inimigo maior de Deus toma conta de todos os segmentos. Aqui e ali há uma e outra trincheira de resistência cristã. O desarticulador do Reino está articulando para aniquilar o cristianismo. É preciso resistir sob o comando do general de guerra que promete repartir o poder. Mas para agir sob comando é preciso conhecer quem comanda.
Ao estudar sobre o assunto do afastamento corporal de Cristo dos seus, folheamos os evangelhos. Observamos que depois de algumas curas de leprosos a lepra ainda não se erradicou. Vimos que depois de algumas visões restabelecidas a cegueira ainda continua no contexto. Constatamos que, depois de morta a fome com os pães que foram multiplicados, esta necessidade biológica voltou a acontecer, tanto que hoje, 40.000 crianças morrem diariamente por falta do alimento-base. Notamos ressurreições, mas a morte está aí com as guerras e as catástrofes ecológicas.
Por outro lado, estudamos o relacionamento íntimo de Cristo com os discípulos e, embasbacados, nos damos conta de que ele não esfriou com o afastamento, antes de incandesceu, tomou vida, promoveu ardência nos corações, mudou o rumo da história, fez crescer o cristianismo.
Averiguamos a vida do mestre na busca do segredo de tão grande dinamismo e percebemos ser o travesseiro, para ele, artigo de quinta necessidade. Não nos passou despercebido o seu relacionamento em secreto com o Pai. Nenhum relato bíblico se refere a possíveis malas e bagagens quando de suas viagens. Nunca fez questão de pompas ou cerimônias. Aos grandes maracanãs preferiu contatos pessoais, optou por Betânia. Pregava uma vida simples centrada no repartir e o que era mais importante, era coerente, havia harmonia entre as palavras e as ações.
Num mundo onde a fé é non grata há que se resistir mesmo sob forma de guerrilha espiritual. Em Cristo somos franco-atiradores que, na vivência em comunhão, nos agilizámos, nos esmeramos no cumprimento das ordens sob a liderança do chefe, o Senhor. Sua bandeira é o Shalom, a paz, que não tem cor, é branca. Sob a direção de Cristo não estamos sujeitos a ideologias travestidas, mas para tal precisamos nos relacionar com ele.
Ficamos assombrados ao constatar tantos cristãos incoerentes e, como tais, não imitadores do Senhor da história. São muitos os que gastam todo o seu tempo no cuidado com ceuzinhos particulares sem futuro para o Grande Futuro. É por causa deste desgaste que o Corpo de Cristo é fraco e cede terreno ao desarticulador. A incoerência cristã elimina a vibração e uma vez destituídos da mesma vamos à deriva com a massa.
Não é este o propósito de Cristo para conosco. Os discípulos caíram aos pés de Jesus para adorá-lo. Fizeram isso com o coração cheio de expectativa. Nesta expectativa estavam atentos para o comando, estavam sendo fortalecidos na fé. Para eles Cristo estava se retirado, mas não os estava abandonando. Sua presença era real ontem e hoje mais do que nunca e ainda o é. Custe o que custar, sejamos nós também experimentadores desta fé em expectativa.
4. A prédica
O objetivo deve transparecer na introdução da prédica. A comunidade que está presente no culto deverá ser desinstalada, num primeiro momento, a partir de colocações estratégicas, como, por exemplo:
— Será que hoje Jesus Cristo faria uso dos meios de comunicação de massa para se tornar notório, conhecido, entendido (busque a abertura de um diálogo com os membros presentes).
— Como nossa comunidade se desincumbiria da tarefa de organizar a festa da Ascensão de Cristo que venceu a morte e vai para junto do Pai? Onde faríamos a mesma? Em Brasília? Precisaríamos de patrocínio? Onde é que iríamos buscá-lo? No Lyons Club? No Rotary? Em ceuzinhos particulares? Façamos uma lista de convidados.
Se a criatividade foi usada já temos um grande circo armado. É o momento para a desinstalação, visando uma reinstalação. As bases podres precisam ceder espaços para bases concretas. O circo deverá ser demolido.
— Observem: Jesus desconsiderou todos estes caminhos pensados por nós. Escolheu Betânia onde não havia infraestrutura para aparelhos de som, não havia telex, DDD, Embratel. O seu caminho é sempre o caminho da cruz e não o da glória.
Agora recomece a reconstruir. Aponte para o Jesus que abençoa e promete repartir o poder para quando do momento de Pentecostes (Lc 24.49). Mostre a grandeza da constatação de que nós podemos ser os continuadores daquilo que os discípulos experimentaram. Precisamos assumir a embaixada de Cristo aqui na terra, uma vez que o embaixador se ausentou por breve momento.
Conclua apontando para corações que, com ardor, adoram com expectativa ardente. Indique possibilidades de imitação, a necessidade do ficar espertos.
5. Bibliografia
BARCLAY, W. Lucas — el Nuevo Testamento. Buenos Aires, 1973;
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado. São Paulo;
FULLER, D. O. Spurgeon ainda fala, S.Paulo, 1978;
KÜMMEL, W. G.Síntese teológica do Novo Testamento. São Leopoldo, 1979;
MARSHALL, l. H. Atos – Introdução e comentário. S. Paulo, 1980;
SIDER, R. Cristãos ricos em tempos de fome. São Leopoldo, 1984;
TENNEY, M. C. O Novo Testamento – sua origem e análise. S. Paulo, 1972.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).