É curioso que, na divulgação do Dia da Reforma Luterana, algumas pessoas perguntam: “O que, vão trocar o telhado da igreja?” Ou, na escola: “Mas as reformas não acontecem apenas nas férias?”
De fato, há muitos tipos de reforma, desde mudanças físicas em prédios, até transformações profundas no campo da legislação e da vida cultural de uma sociedade.
O Dia da Reforma Luterana, ou da Reforma Protestante, celebra a manifestação de Martim Lutero ao fixar as 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517. Essa data é mais expressiva em regiões com forte presença luterana. No Brasil, especialmente nos estados do Sul e Sudeste, há diversas cidades que celebram oficialmente o dia, sendo, em muitas delas, feriado municipal.
Mais do que um feriado, essa comemoração nos remete às transformações que a Reforma impulsionou: na religião, na educação, no trabalho, na economia, na cultura e na política. Seu impacto ultrapassa os muros da igreja e continua inspirando mudanças até hoje.

Investir mais em educação do que em armas
Junto às questões religiosas e eclesiásticas, Martim Lutero investiu fortemente na educação, que se tornou uma de suas grandes ênfases. Ele conclamou as autoridades alemãs a criar e manter escolas para meninos e meninas. Da mesma forma, insistiu para que as famílias enviassem as crianças para a escola.
Em 1524, Lutero escreveu o manifesto “Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha, para que criem e mantenham escolas”. Esta carta, dirigida a prefeitos e conselheiros, indica caminhos para melhorar a qualidade e garantir o acesso à educação. Alguns anos mais tarde, em 1530, o Reformador publicou “Uma prédica para que os pais enviem os filhos à escola”. Este sermão trata do dever de enviar as crianças à escola.
Para Lutero, a educação tinha papel fundamental na formação de pessoas cidadãs e deveria ser prioridade da gestão pública e das famílias. Tornou-se célebre sua afirmação: “De cada florim gasto em armamentos, cem florins deveriam ser gastos na educação.”
Lado a lado, templo e escola
O compromisso com a educação é também uma premissa da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). E isto acontece desde a sua origem, com a chegada de imigrantes europeus no século XIX. A relação histórica da Igreja com a educação é perceptível, em muitas comunidades, pela proximidade entre o templo e a escola, às vezes, erguidos lado a lado.
Verdadeiros mutirões foram organizados para a construção e manutenção das primeiras escolas. No início, a sala de aula servia também como espaço de celebração religiosa, já que o Império brasileiro vetava a protestantes a construção de templos com símbolos externos, tais como cruz, torre ou sinos. Batismos e casamentos de imigrantes protestantes também não eram reconhecidos, pois apenas a Igreja Católica era considerada religião oficial.
Além de proporcionar espaço para celebração, a escola teve papel muito importante na catequese. Na ausência de professores e pastores com formação acadêmica, as comunidades elegiam pessoas com instrução suficiente para exercer ambas as funções. Eram os assim chamados “pastor-colono” e “professor-colono”.
Somente a partir de 1865 chegaram ao país os primeiros pastores e professores com formação profissional.

Menos escolas, mesmo compromisso
Em 1924, o Departamento de Ensino do Sínodo Riograndense atendia 413 escolas primárias, numa demonstração da estreita ligação entre Igreja e educação.
O decreto de 12 de dezembro de 1938, que proibiu o uso do idioma alemão como língua auxiliar nas igrejas e escolas, e restringiu a atuação de pastores e professores estrangeiros, alterou profundamente o perfil das comunidades e das escolas evangélico-luteranas.
Com a nacionalização do ensino no período do Estado Novo, a grande maioria das escolas evangélicas foi fechada ou incorporada ao sistema público. Aquelas que permaneceram vinculadas às comunidades acentuaram sua identidade confessional e, ao mesmo tempo, ampliaram gradativamente sua inserção na sociedade brasileira.
No final da Segunda Guerra Mundial, em 1949, as comunidades organizaram-se na Federação Sinodal, com representação nacional, tendo como primeiro presidente da IECLB o Pastor Hermann Gottlieb Dohms.
A consolidação da IECLB como igreja de abrangência nacional também impulsionou o estreitamento de vínculos entre as escolas. Atualmente, a Rede Sinodal de Educação é constituída por 50 escolas confessionalmente ligadas à IECLB. Seguindo a concepção de Lutero, as escolas da Rede Sinodal de Educação preparam crianças e jovens para o exercício da cidadania.
A Reforma na Rede Sinodal de Educação
Nas escolas da Rede Sinodal de Educação, a última semana de outubro é marcada por atividades relacionadas à Reforma Luterana. Desde 2008, o Centro de Ensino Médio Pastor Dohms, por exemplo, promove em suas sete Unidades de Ensino uma programação especial chamada Semana Luterana, que convida toda a comunidade escolar à reflexão, vivência e celebração dos princípios da confessionalidade luterana.
Por meio de uma programação diversificada, busca-se divulgar e fortalecer uma visão de educação em que fé, conhecimento e responsabilidade social caminham juntos.

A fé como elemento de constância e mudança
A confiança das primeiras gerações de imigrantes na providência divina reflete também os conflitos pessoais vividos por Lutero quando iniciou seus questionamentos. Por mais que se esforçasse para alcançar a salvação, ele não encontrava paz com Deus. Seu consolo veio na descoberta de Romanos 1.17: “O justo viverá pela fé.”
As famílias que fundaram as primeiras escolas e comunidades luteranas também experimentaram que, pela fé, é possível enfrentar com realismo as catástrofes naturais, a violência e todo o sofrimento causado pela ação humana.
Confiantes em Deus e sob o amparo da sua graça, permanece para nós o desafio de ser uma Igreja em contínuo processo de Reforma, que, em resposta de fé e gratidão, serve às pessoas, tornando-se instrumento de solidariedade, promotora da paz e da justiça.
Referências
DREHER, Martin Norberto. Igreja e Germanidade. 2 ed. rev. e amp. São Leopoldo : Sinodal, 2003.
KLEIN, Remí; BECKER, Tiago. De escolas comunitárias à Rede Sinodal de Educação. IN: Rev. Pistis Prax., Teol. Pastor, Curitiba, v. 9, n. 2, 629-643, set./dez. 2017. Pág. 629-643.
Texto: Pastor Ms. Valdemar Schultz
Coordenador da Pastoral Escolar – Centro de Ensino Médio Pastor Dohms
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