Corria o ano de 1978 e o Brasil vivia uma grande mobilização política. O movimento estudantil, ao lado de outros grupos políticos, havia conseguido sensibilizar e mobilizar desde 1976 segmentos significativos na sociedade civil brasileira para superar a ditadura militar e restaurar a democracia no país. Às primeiras passeatas estudantis, duramente reprimidas pela polícia, seguiram-se as primeiras greves a partir de maio de 1978 em São Bernardo do Campo/SP. As paralisações se espalharam pelo Brasil e despertaram setores sociais dos mais diversos para outras lutas.
Um movimento que ocupou um espaço importante no cenário político foi o Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas que, juntamente com o Movimento Brasileiro pela Anistia com suas ramificações estaduais, desencadeou a Campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita a todos os Presos e Perseguidos Políticos. No dia 8 de agosto de 1978 aconteceu um Ato Público pela Anistia na Praça da Sé em São Paulo, no dia 9 de setembro no Encontro Nacional dos Movimentos pela Anistia veio a público a Carta de Salvador e no dia 5 de novembro do mesmo ano realizou-se o I Congresso Nacional pela Anistia no Teatro Ruth Escobar em São Paulo.
Neste contexto a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil foi desafiada a se pronunciar. Ela refletia em seu interior as posições que dividiam a sociedade brasileira. A questão política já fora motivo de acalorados debates no final da década de sessenta e inícios da década de setenta. Frutos deste debate foram o “Manifesto Curitiba” de 1970 que levantou a sua voz contra a tortura e a violação dos direitos humanos no Brasil e o documento “Nossa Responsabilidade Social” de 1975 que procurou despertar a responsabilidade e a ação social dos membros (guia de ação diaconal). Alguns membros da Igreja haviam ajudado perseguidos políticos e também o P. Heinz Dressel, que atuara no Brasil na década de sessenta, acompanhou e assistiu dezenas de exilados políticos na Europa.
O Concílio Geral de 1978, realizado em Joinville/SC, aconteceu em meio às grandes mobilizações pela anistia. A eleição do P. Augusto E. Kunert teve como pano-de-fundo uma polarização entre setores que propugnavam uma inserção mais decidida da Igreja no cenário sócio-político brasileiro e setores mais comedidos e com certa reserva em relação a esta atuação.
O clima político no país e os debates internos na Igreja partejaram uma manifestação pública favorável à anistia no Brasil. A Mensagem de Natal do Conselho Diretor da IECLB virou um documento histórico importante da caminhada da Igreja em terras brasileiras.
Em seu final a mensagem diz:
“Neste Natal de 1978, conclamamos a todos: Juntemos as mãos e participemos intensamente na promoção da reconciliação da comunidade brasileira. Verdadeira reconciliação inclui uma anistia a todos os atingidos pelas leis de exceção. Empenhemo-nos, pois, por esta anistia que somente será completa se acompanhada da realização de outros anseios nacionais, tais como a revogação plena das leis de exceção, a restituição integral da liberdade e autonomia de ação aos poderes legislativo e judiciário, a observância dos direitos humanos e o restabelecimento do estado de direito.
Partindo da reconciliação que nos é dada em Cristo, queremos neste ano celebrar o Natal e convocamos todos os membros da IECLB a orarem nos cultos de Natal pela anistia e pela reconciliação nacional e dos povos, bem como a manifestarem sua fé através do empenho honesto e franco por estes valores de uma sociedade verdadeiramente reconciliada.”<
Como reflexo das polarizações internas a mensagem provocou muitas celeumas e polêmicas nas comunidades, mas, mesmo assim, representou um gesto corajoso que fez com que o Pastor Presidente Augusto E. Kunert se tornasse persona non grata em Brasília.
A voz da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil se somou às milhares de vozes que se empenhavam pela anistia. E ela viria em agosto de 1979.
Rolf Schünemann
Veja a Mensagem de Natal de 1978 na íntegra.