Entre os dias 14 a 16 de outubro, aconteceu, em Foz do Iguaçu/PR, a 4ª Convenção Nacional de Ministras e Ministros da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).
A partir do tema “Venham ver!”, o encontro teve três palestras. O Portal Luterano publicará um resumo de cada uma delas.
-
- Venham Ver! Então eles foram, com o Pastor Dr. Pedro A. Puentes Reyes (acesse o resumo aqui).
- Venham experimentar as Boas Novas, com o Pastor Carlos Pinheiro Queiroz.
- Vamos! Horizontes com Deus – Profª. Ma. Doris Helena Schaun Gerber
Confira abaixo o resumo da palestra do Pastor Carlos Pinheiro Queiroz, Pastor da Igreja de Cristo no Brasil. O Pastor Carlos comparou a tarefa de anunciar as boas novas a uma peregrinação. Neste sentido, compartilhou a seguinte poesia:
Estamos peregrinando
E quem peregrina Cuida
Cuida da interioridade mais profunda,
Cuida do corpo, da mente, dos sentimentos,
Cuida das pessoas mais amadas,
Cuida do meio ambiente,
Cuida da Vida.
Quem peregrina Anda
Anda em direção a Deus,
Anda em harmonia com todo o ritmo do corpo,
Anda deixando o que passou,
Anda em direção às novas oportunidades e desafios,
Anda em espírito de solidariedade e companheirismo,
Anda atento aos ruídos e silêncios da Vida,
Anda encantado com as coisas simples e deslumbrado com as trivialidades,
Anda, andando sempre….
Então cansa
Cansa de tanto percorrer por estradas tão semelhantes,
Cansa de perceber que as estradas se repetem,
Cansa pela dor que teimosamente persegue o peregrino,
Cansa pelo sol que insistentemente enfornalha todo o ser,
Cansa de tanto cansaço….
Então descansa
Descansa como ato peregrino
Parar é só mais uma estação da peregrinação.
Quem peregrina tem sempre um pé em ponto de repouso – o outro em movimento.
No descanso o corpo, quase todo, assume um ponto de repouso – uma velocidade zero.
Descanso do sol,
Descanso da repetição de tantos passos,
Descanso dos ruídos vários.
> Descanso total da lama e de qualquer sujeira que se apegou ao peregrino.
> Descanso erradicando a lama indesejada do caminho.
No descanso profundo a mente se liberta para os sonhos…
Descanso não vendo, nem ouvindo, não falando nem sentindo.
Só não descansa
Quem não dorme,
Quem não dormita e sempre ama.
Por isso, quem peregrina:
Cuida !!!
Anda !!!
Cansa!!!
Descansa!!! Elabora…
Experimentar as boas novas em ambiente de violência
O Pastor Carlos Queiroz realiza um trabalho com meninas e meninos envolvidos no mundo da violência. A partir da experiência de vida, o próprio grupo se autodefiniu como “Meninos de Deus”: “a família não quer mais a gente, a escola não aceita a gente, a gente na igreja o pessoal fica assustado, no bairro todo mundo tem medo. Então, só Deus quer a gente. Nós somos meninos de Deus.”
O trabalho de igrejas e organizações consegue afastar adolescentes do círculo da violência. Um exemplo está no depoimento de um jovem: “Tio, eu comprava uma moto em uma semana fazendo assalto. Moto zero quilômetro. Agora eu tenho meu trabalho. Eu ganho pouco, mas eu durmo em paz e com a cabeça sossegada.” Mudou o paradigma, mudou o valor, diz o Pastor.
Infelizmente, há casos em que não isto não é possível. Ou as crianças e adolescentes são cooptadas por facções do crime, ou são vítimas da violência imposta por facções.
Quão formosos são os pés daqueles e daquelas que anunciam as boas novas nos ambientes de ódio e violência para que a paz e o amor visitem as vidas e os corações!
Boas novas de consolação e reconciliação
Outra atividade realizada é a pastoral de consolação com mães e pais que perdem seus filhos e filhas precocemente para a violência. Pastor Carlos exemplificou em alguns casos, como o de uma senhora que perdeu três filhos antes de completar 16 anos de idade.
Outro exemplo marcante: em uma manhã muito difícil, com muitos relatos de sofrimento, pais e mães recitaram várias vezes o Salmo 22.1: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Na sequência, em duplas, as pessoas oraram umas pelas outras.
Uma dupla de mulheres chamou a atenção porque ambas choravam muito. Ao se aproximar, o Pastor Carlos percebeu que uma era mãe de um rapaz que tinha matado o filho da outra. E uma frase que ele ouviu ficou marcada: “Minha querida, deixa eu orar primeiro por você, porque deve ser mais duro ser mãe de quem mata, do que ser mãe do menino que morre”.
Boas novas de salvação em ambientes de morte e luto! Sim, dá para levar consolação e reconciliação. E é possível levar boas novas de esperança.
Amor, valores e rede de proteção
Para o Pastor Carlos, é fundamental transmitir e possibilitar a vivência de novos valores. Novos valores são boas novas de uma família bem reestruturada, boas novas de um grupo associativo de crescimento, onde os meninos se protegem.
Nós criamos uma rede de proteção para meninos, assim como a gente faz com as meninas. As meninas precisam de uma rede para que se protejam de abuso e de exploração sexual. A gente cria uma rede de quatro, cinco meninas e elas se protegem. Elas conversam entre si e, nesse apoio, umas com as outras, elas falam com o professor da escola, com a professora, com o pessoal de psicopedagogia e vão buscando convivências comunitárias de autoproteção.
E somente o amor pode acabar com essa onda de violência. A gente só acaba com a onda de violência se nós aprendermos com a onda de amor. Só acabamos com o caminho da violência se descobrirmos o caminho do amor. A gente só acaba com a estrada da violência se a gente for construindo uma estrada de amor, disse o pastor.
Entrevista
O Pastor Carlos Pinheiro Queiroz também concedeu uma entrevista ao Portal Luterano. Confira o que ele disse:
Pastor Carlos, quais são os principais desafios para o anúncio da Boa-Nova no contexto brasileiro?
Primeiro, a gente precisa discernir melhor: qual é o conteúdo dessa boa notícia, dessa Boa-Nova. No Brasil, você tem um discurso sobre Jesus Cristo que me parece que é um Jesus criado no imaginário e que desvirtua a essência do Jesus Cristo em Nazaré. Tem um Cristo no Brasil que é o Cristo da prosperidade, que é o Cristo do sucesso, que é o Cristo da dominação e do controle. Chega a ser um Cristo violento, inclusive.
Então, acho que a gente precisa discernir, decodificar esse Cristo que não tinha nenhuma aparência, nem formosura que nos agradasse. O texto não diz que ele não tinha formosura. Diz que a formosura e a beleza dele não nos agradavam. Ele tinha um tipo de formosura e beleza que não agradava às pessoas daquele contexto e acho que não agrada algumas pessoas do nosso contexto.
Em alguns cenários de programações gospel no Brasil, eu tenho uma ligeira impressão de que, primeiro Jesus nem gostaria de ir. E, se ele fosse, o pessoal não o receberia bem.
Então, a primeira coisa é decodificar. É dizer quem é esse Cristo revelado, que Pedro diz: tu és o Cristo, filho do Deus vivo. E qual é a mensagem, qual é essa boa notícia, esse bom anúncio? O senhor me ungiu para evangelizar os pobres, os empobrecidos, os pobres de espírito, inclusive.
A mensagem trata da reconciliação. Numa sociedade tão dividida, tão polarizada, tão distante, nós precisamos falar sobre o Evangelho e a boa notícia da reconciliação, da paz, do afeto, da ternura, do acolhimento.
E, especialmente em contextos de vulnerabilidade, quais são os desafios?
Em contextos de violência, o grande desafio é fermentar a presença do Evangelho muito mais do que a maldade. E isto tem a ver também com a própria língua, com a fala. Eu noto que o ambiente de violência está gerando um discurso violento. Então, como levar uma cultura de paz para esses ambientes?
Em primeiro lugar, é preciso ensinar mães e pais a amarem seus filhos e filhas; amarem suas esposas, seus esposos; os irmãos não serem agressivos uns com os outros; os meninos a se amarem entre si, serem amigos; na sala de aula ter muito mais frases de ternura, de acolhimento do que bullying.
O afeto é muito importante para mudar a cultura da violência.
Só para ter uma ideia de como a linguagem violenta está em nossa fala, muitas vezes sem perceber. É comum a gente dizer que quer se encontrar com alguém para “matar a saudade”. Em vez de dizer “matar a saudade”, não seria melhor dizer “alimentar a saudade”? Eu sempre digo que lá em casa não tem essa frase: “Pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Lá em casa, o prato que o Francisco come, o Chico também come.
Que palavra você deixa para as ministras e os ministros da IECLB que anunciam a boa nova?
Eu percebo que, na teologia luterana, tem muita cabeça. É uma teologia de muito conhecimento, muita percepção crítica da realidade, com uma visão bíblica de muita profundidade.
Isto é muito bacana e importante. Porém, não se pode esquecer os pés. Para fazer missão, tem que ser pé no chão, tem que estar na estrada. Imagina só: essa boa cabeça nas estradas por aí afora, levando a beleza dessa mensagem para as pessoas?
Penso que um outro desafio está relacionado com o arquétipo litúrgico: como aproximar a liturgia, os paramentos, as vestes litúrgicas aos contextos mais informais, mais populares? Como ser uma igreja que tem uma beleza litúrgica, uma beleza na arte da música e dialogar com outras artes, com outras formas poéticas, com outros estilos? Nem estou dizendo que tem que mudar, mas sim, como dialogar com outras formas que eu chamo de sacramentos da vida, confessionalidade da vida ou práticas da vida?
No evangelho, o referencial é a obediência, é a prática, conforme diz Jesus: Nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus. Então: como discernir a vocação e a missão nesse contexto brasileiro, a partir de uma prática de obediência e vida semelhante a do Jesus Cristo de Nazaré?
Confira o álbum de fotos do segundo dia da 4ª Convenção Nacional
Acesse a página da 4ª Convenção Nacional de Ministras e Ministros da IECLB