Prédica: II Timóteo 1.3-8(9-12) 13-14
Leituras: Habacuque 1.2-3(4);2.1-4 e Lucas 17.1-10
Autor: Paulo A. Daenecke
Data Litúrgica: 20º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 18/10/1998
Proclamar Libertação – Volume: XXIII
Tema:
1. O contexto
1.1. Paulo
As duas cartas de Paulo a Timóteo, juntamente com a carta a Tito, são denominadas epístolas pastorais, denotando-se entre elas semelhanças em forma e conteúdo. Elas são dirigidas diretamente a pessoas, a Timóteo e Tito, amigos, companheiros e discípulos de Paulo. Ainda que dirigidas a esses líderes, são escritos oficiais e, portanto, dizem respeito às comunidades por eles coordenadas, contendo orientações para o correto pastoreio das comunidades.
O mais provável é que elas tenham sido escritas no último período da vida do apóstolo, que se encontrava preso mais uma vez em Roma (2 Tm 1.8.16.2.9.), onde escreve a segunda epístola ao companheiro Timóteo. Antes dessa segunda prisão, Paulo, em liberdade, esteve na Ásia Menor e na Grécia, visitando Éfeso (l Tm 1.3), Creta (Tt 1.5), Trôade (2 Tm 4.13), Corinto e Mileno (2 Tm 4.20).
1.2. Timóteo
Timóteo está provavelmente em Éfeso nesse período, como representante de Paulo (2 Tm 1.15-18; 4.19).
Timóteo era filho de pai pagão e de mãe judia, Eunice, da cidade de Listra. Tornou-se cristão através de Paulo, em sua primeira viagem missionária (At 14.6; l Tm 1.2). Já na segunda viagem, Timóteo passou a auxiliar o apóstolo na sua atividade (At 16.1-3), tornando-se, a partir daí, seu fiel companheiro. Ele esteve com Paulo e acompanhou-o em muitos lugares, inclusive na primeira prisão que o apóstolo sofreu entre 61-63. Por outro lado, Paulo cita-o especialmente em seis epístolas como remetente e cooperador (l e 2 Tessalonicences; 2 Coríntios; Colossenses; Filemon; Filipenses).
2. Considerações preliminares sobre o conteúdo geral da epístola
Na segunda epístola, Paulo apela a Timóteo para que ele tenha uma correia conduta e um procedimento fiel à confissão da fé, especialmente frente aos grupos contrários à fé cristã; e compartilha a situação pessoal, considerando sua prisão em Roma.
A prisão corta quaisquer possibilidades de Paulo na atividade evangelizadora; as comunidades estão sujeitas à ação destrutiva dos adversários, inimigos até. Paulo anima Timóteo, encoraja-o e fortalece-o para o exercício do ministério sacerdotal junto às comunidades sob sua responsabilidade, pois seu fiel colaborador pode alegrar-se por ser portador da graça de Deus que nele habita (2 Tm 1.6). Renova-lhe, assim, também a disposição para o trabalho de evangelizar (Lc 4.18-19), dado que Deus não lhe deu um espírito de timidez, mas sim, de fortaleza, de amor, de prudência (1.7). Por isso ele pode professar e defender a boa nova com audácia, sob o poder de Deus, sob o manto da justiça, da fé, da solidariedade.
Paulo procura, de todos os modos, aconselhá-lo a permanecer firme, admoestando-o ao seu exemplo de fibra e perspicácia, a conservar vivo o que ouviu, em fé e amor (1.13), praticando-a com constância (1.14), da mesma forma como Paulo não se envergonhou.
Nisso tudo ele lembra da característica da sua prisão por causa do evangelho de Jesus Cristo. Faz questão de incluir Timóteo nas suas orações e destaca a forte saudade e ânsia por revê-lo (1.3,4). Renova a profunda comunhão na despedida e deixa claro a vida e sincera fé de Timóteo, de sua mãe Eunice e da avó Loide.
Portanto, Paulo quer transmitir a sua audácia e determinação de combater o bom combate da fé (I Tm 6.12), e através dela revigorar o compromisso discipular em Timóteo, fazendo-o com coragem, discernimento, efectibilidade e perspicácia.
3. O texto
Podemos, de maneira geral, apontar a seguinte estrutura temática:
a) 7.7-2: Introdução e saudação.
b) 1.3-4.8: Conteúdo específico da mensagem, na qual se pode destacar a exortação à fidelidade no serviço do evangelho (1.3-2.13) e a correia atitude/prática frente aos falsos crentes (2.14-4.8).
c) 4.9-22: Conclusão e bênção.
O texto da pregação (2 Tm 1.3-8 [9-12] 13-14) está inserido na parte do conteúdo específico da mensagem de louvor pela fidelidade na fé, seu testemunho público e perseverança na doutrina.
Paulo está preocupado com o companheiro Timóteo e, por extensão, com a comunidade. Ele se dirige a Timóteo de maneira bem direta, o que demonstra a confiabilidade, a intimidade e a afinidade pastoral entre eles. Nessa convicção, o apóstolo o interpela e instrui, relembrando o compromisso do ministério e o incita a permanecer perseverante e fiel na pregação da palavra, fortalecendo, assim, a sua posição de líder c guia comunitário em Éfeso e região circunvizinha.
O louvor a Deus é característica de Paulo através do qual ele reafirma sempre de novo a sua opção de fé cristã; elogia, portanto, Timóteo, a quem demonstra especial atenção na esperança de poder revê-lo, inclusive manifestando uma forte saudade (3-5). Ele pretende, dessa forma, libertá-lo de tensões e inseguranças, recriando um novo vigor que favoreça a disposição para a sua tarefa que, com certeza, resulta em sofrimento pela causa da fé, da boa-nova, do Cristo ressuscitado.
Nisso o próprio apóstolo Paulo consegue despertar em Timóteo a confiança nos dons recebidos. Afinal, de Deus vem toda a dádiva boa e todo dom perfeito (Tg 1.17).
Ele o tem em grande estima. Lembra dele em oração. Não quer, pois, perdê-lo. Quer que sirva à causa de Deus inspirado/motivado pelo compromisso categórico de Paulo: Até hoje sempre me comportei diante de Deus com toda retidão de consciência (At23.1). Ele reafirma em todo tempo ter uma consciência irrepreensível para com Deus e para com os homens (At 24.16), evidentemente a partir de sua opção pela fé cristã.
Nos w. 4 e 5 Paulo revela quão dolorida é uma separação. Na prisão a saudade é forte. A esperança por um reencontro é ativada. Seria a melhor coisa que poderia acontecer. Ele revive o ambiente familiar e o ensino que perpassa de geração em geração; ainda que, no momento, precisa confortar-se na alegria de saber que Timóteo é fiel e zela pela verdadeira e pura fé, como dom de Deus.
Após se fixar nos aspectos pessoais, mais íntimos, ele se encaminha para a especificidade de sua caria, conclamando à sinceridade e perseverança, coragem e discernimento ante as forças contrárias à fé cristã (vv. 6-8). Portanto, é fundamental recordar ao companheiro que ele recebeu de Deus não um espírito de covardia, mas sim o espírito de fortaleza, de amor, de disciplina, sinais de graça abundante. Ele também conta com a presença e a força divina, que não permitem, de igual forma, envergonhar-se de professar a fé em Jesus Cristo, o ressuscitado, mesmo que seja uma confissão ligada à humilhação e perseguição – traços constantes do radical e coerente povo de Deus.
De acordo com o corte proposto para o texto, os vv. 9-12 não precisam, necessariamente, fazer parte da perícope. Mesmo assim, esses versículos são um bom suporte auxiliar ao enfocarem a santa vocação e salvação por Jesus Cristo, fortalecendo o caráter libertador pela graça de Deus que se cumpre no tempo oportuno, o qual quer que Iodos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (l Tm 2.4).
Já os vv. 13-14 enfatizam a perseverança na doutrina aprendida. A vivência dessa doutrina na fé em Jesus Cristo precisa de novo ser a mola mestre no caminho de coordenação da prática comunitária. Paulo conclama, pois, seu companheiro Timóteo a perseverar e deixar-se guiar pelo modelo que é o próprio apóstolo. O apelo fundamental é: guarda o bom depósito pela virtude do Espírito Santo, que habita em nós (v. 14).
Paulo tem consciência de que são ambos fortalecidos para a tarefa evangelizadora pelo Espírito Santo, fato que revigora a disposição diante dos desafios a que a prática da fé cristã fica exposta.
4. Ao companheiro Timóteo – hoje
Na perspectiva de 1998, outubro, mês da Reforma, seria interessante apontar e refletir na oportunidade elementos fundantes e fundamentais na vida comunitária. Evidentemente, é preciso ir além da individualização de Timóteo e desenvolver a temática de Paulo no contexto das lideranças comunitárias dentro da responsabilidade e diversidade de dons – sacerdócio real de todos os crentes.
Transparece fortemente o envio a partir da experiência do apóstolo Paulo: o sofrimento produz perseverança; a perseverança produz experiência; a experiência produz esperança (Rm 5), o que é ressaltado na presente carta: Deus não deu um espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação (v. 7).
Apesar disso, os atalaias, os vigias do povo de Deus podem alegrar-se. Parece ser uma santa ironia, no entanto, permanece como promessa, proposta de Deus (Hc 1-2).
A realidade é de sacanagem, da idiotice dos poderosos contra a insignificância dos dominados. A estrutura globalizante do império chacal neoliberal transvia ideologicamente sonhos e buscas de um povo que agoniza à beira de um colapso.
Por outro lado há aqueles que falsamente apregoam a proximidade do terceiro milénio como algo fantasmagórico e fazem um verdadeiro fuzuê especulativo, ofuscando a realidade e neurotizando-a, especialmente quem de modo leviano não consegue discernir entre valores construtivos e deformativos das esperanças ou ansiedades.
Assim, não há motivo para envergonhar-se, mas de comprometer-se com a boa nova do evangelho, que é mais do que reformador, é transformador, é revolucionário. A Igreja é convocada para refletir a luz da vida, vivendo as sãs palavras que servem de alimento, extraídas do bom depósito, a fé, mediante o Espírito Santo (vv. 13-14).
Desse modo pode cumprir-se a esperança da justiça neste mundo de injustiças: da vida diante das ingratidões; de fé ante as descrenças e desesperos. E na perspectiva da novidade de vida que Paulo revigora no seu companheiro Timóteo somos vocacionados, da mesma forma, hoje, para exercitar o forte amor e amizade revelado em Paulo a Timóteo, para que resulte em frutos na prática da justiça, na coragem e perseverança, pois o justo viverá pela sua fé (Hb 2.4).
Que a santa ironia nos faça vencer sem medo de sermos felizes na liberdade do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo!
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados: para celebrações à noite, pode-se criar um ambiente de escuridão ou semi-escuridão caracterizando as fraquezas/pecados; e na absolvição, clarear o ambiente como sinal de luz para a vida.
Podem ser listadas situações de pecados comunitários e sociais intercalados pela palavra comunitária perdão, Senhor, perdão, ou perdoa-nos, Senhor, ou, ainda, outra adequada (falada ou cantada).
Leituras bíblicas: Habacuque 1.2-3(4); 2.1-4; Lucas 17.1-10.
Se preparada com antecedência, uma delas pode ser dinamizada por um grupo dos diferentes ministérios comunitários.
Confissão de fé: poderá ser usada uma confissão de fé elaborada por Martim Lutero ou o número 88 do HPD em substituição ao Credo Apostólico. Essa confissão poderá ser falada de mãos dadas.
Oração de intercessão: onde possível, coletar, durante a semana, situações específicas pelas quais interceder – na família, nos grupos de trabalho, na escola, na sociedade local. Incluir agradecimentos e louvor.
Invocar pelo envio comunitário como atalaias/vigias nos postos/funções exercidos.
Bênção/envio: pode ser a tradicional ou outra, complementada com um abraço da paz.
Hinos para a celebração: Povo Novo, Deus é meu amparo, Abençoe-vos ó Deus (de cancioneiros diversos); 253, 97, 155, 170 do HPD.
6. Bibliografia
FEINER, Johannes, VISCHER, Lukas. O novo livro da fé : a fé cristã comum. Petrópolis : Vozes,
1976.
IWAND, Hans Joachim. A justiça da fé. São Leopoldo : Sinodal, 1977.
KÜMMEL, Werner Georg. Síntese teológica do Novo Testamento. São Leopoldo : Sinodal, 1974.
LOHSE, Bernhard. A fé cristã através dos tempos. São Leopoldo : Sinodal, 1972.
MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança. São Paulo : Herder, 1971.
REUSS, Joseph. A Segunda Epístola a Timóteo. Petrópolis : Vozes, 1967.
TILLICH, Paul. Dinâmica da fé. São Leopoldo : Sinodal, 1974.
Proclamar Libertação 23
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia