Proclamar Libertação – Volume 21
Prédica: Jeremias 28.5-9
Leituras: Romanos 6.1b-11 e Mateus 10.34-42
Autor: Norberto da Cunha Garín
Data Litúrgica: 6º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 07/07/1996
O texto que o Calendário reserva para a 6o Domingo após Pentecostes parece incompleto e, por isso, muitas vezes incompreensível. É necessário resgatar um conjunto bem maior para que se tenha uma visão clara do conteúdo deste episódio enfocado em Jr 28.5-9.
Seria importante considerar a parte inicial do cap. 28 (1-4), onde está registrada a pregação de Hananias. Trata-se de um texto que contextualiza histórica e geograficamente a pregação do profeta.
Por outro lado, parece um equívoco omitir a carta que Jeremias escreve aos exilados (Jr 29.1-28), onde se localiza todo o conteúdo da ação concreta do profeta. Esta carta está repleta de orientações preciosas para um povo envolvido , em uma crise desproporcional. É necessário ressaltar o fato de que Judá não esperava, de forma nenhuma, uma queda diante da Babilônia, pois julgava-se protegido de Javé, de forma muito especial no que se refere ao templo. Tudo é novo e sufoca os mais lúcidos pregadores do santuário.
Acredita-se que Jeremias tenha nascido por volta de 626 a.C, visto que não faz nenhuma menção ao reinado de Josias e mesmo porque o profeta não tomou posição definida em relação à Reforma Deuteronômica, um fato marcante demais para a vida de Judá, impossível de passar em brancas nuvens para um profeta do quilate de Jeremias. Como ele acreditava que desde o seu nascimento estava predestinado para a obra profética, o ano de 626 a.C. não marca necessariamente o início de seu ministério, mas poderia muito bem ser o de seu nascimento, já como um profeta (Jr 1.5). É bem mais provável que a atividade pública de Jeremias tenha iniciado de fato no ano de 609 a.C., juntamente com a morte de Josias (609 a.C.).
Dois episódios estão ligados ao início da obra do profeta: o malogro da Reforma Deuteronômica e a mudança do centro de poder no antigo Oriente Próximo, quando este passou da Assíria para a Neobabilônica.
As reformas no culto e na vida social e política de Judá, implementadas por Josias, haviam despertado no povo esperanças que não se concretizaram. Joaquim, que o sucedeu no trono, não tinha nem sustentação política como vassalo do Egito nem liberdade e vontade para manter as reformas. Parece mesmo que a principal herança que Joaquim obteve da Reforma Josiânica foi a confiança indiscriminada de que Jerusalém possuía uma capa protetora de santidade, contra a qual ninguém prosperaria.
O objetivo dos oráculos de Jeremias priorizava a ordem interna de Judá, que no séc. 6 estava corrompida, possibilitando, desta forma, a sua destruição pela Neobabilônica. O foco dessa corrupção era a ausência de justiça social. Segundo Gottwald (1989, p. 373), na opinião do profeta, as tradições da aliança e o culto de Jerusalém não forneciam fundamento algum para a falta de justiça social”.
Entre erros e acertos, Jeremias acreditava que a solução para Israel só poderia advir de uma estrutura na qual Judá se submetesse ao Império Babilônico. Estava convencido de que o futuro de Judá estava num tipo de vida sem o culto no templo e sem rei.
Um dos grandes problemas com o qual a humanidade sempre se defrontou, no campo religioso, foi a questão da autenticidade. Quem é o verdadeiro e quem é o impostor?
Não apenas na atividade religiosa, mas de resto em toda sorte de atividade humana, sempre esteve presente a tentação do ser humano de ultrapassar os seus próprios limites, utilizando-se para isso do engodo.
Jeremias conseguia perceber a velocidade e a maneira como Judá caminhava para a sua própria ruína. Sua visão estava alicerçada na constatação dos descalabros sociais provocados pelas elites de Judá (Jr 7.1-11; igualmente importante parece o texto de Jr 22.13-19).
Diante de toda a fragilidade social criada e mantida pelas lideranças é falsamente acobertada pelo manto de santidade do templo de Jerusalém, não era difícil perceber como seria grande a ruína de Judá.
De outro lado, temos a figura de Hananias, o protela que discute com Jeremias sobre a questão do retorno, no prazo de dois anos, dos utensílios do templo que tinham sido levados por Nabucodonosor para a Babilônia.
Hananias era de Gabaon, a cidade da tribo de Benjamim que foi concedida aos levitas (Js 21.17). Certamente pertencia à classe dos sacerdotes. A Septuaginta o trata pelo termo pseudoprofeta já que a sua profecia não se cumpriu, e, como resultado de ter se levantado para falar em nome de Javé, morreu dois meses depois (Jr 28.17).
Quando o ser humano se depara com uma crise de grandes proporções, sempre aparecem dois tipos de pregoeiros: 1) aqueles que tentam enfrentá-la de peito aberto, incentivando o povo à valentia, o que quase sempre leva à catástrofe; 2) os acomodados, que, por falta de iniciativa e criatividade, sempre estão a dizer: Deixem disso, as coisas com o tempo vão para o seu devido lugar! e, dessa forma, inibem atitudes lúcidas e corajosas que não são do tipo heroicas. Neste sentido são significativas as palavras de Amsler (1992, p. 192):
Por volta de 594, explodem desordens em Babilônia, enquanto a subida de um novo faraó ao trono permite esperar dias melhores. Jerusalém está implicada na coalizão que se forma (Jr 27.3). A crise faz surgir um conflito dentro do profetismo, levantando a questão, nunca resolvida, dos critérios do verdadeiro profeta. Jeremias sabe que os excessos podem levar à catástrofe. O poderio de Babilônia é muito grande para que se possa pensar em sucesso dos aliados; a submissão é a única atitude realista.
Em 605 a.C, o Egito, sob o domínio de Neco, cai finalmente nas mãos de Nabucodonosor, estabelecendo-se, dessa maneira, o domínio neobabilônico em todo o Oriente Próximo. Nesse tempo Nabucodonosor não era ainda o rei. Nabopolasar, seu pai, estava doente e havia confiado o exército ao comando do filho.
Essa batalha deve ter acontecido em Carquemis, nas proximidades do Rio Eufrates (Jr 46.2), onde hoje se localiza a vila síria de Djerablus, a noroeste de Alepo. Segundo a relato de 2 Rs 24.7, todo o Oriente Próximo passou para as mãos dos neobabilônicos. Infelizmente, estes, ao contrário dos assírios, não deixaram registros sobre suas atividades na região. Limitaram-se, apenas, a alguns detalhes genéricos sobre suas conquistas.
Logo após a vitória sobre o faraó, Nabucodonosor teve que regressar às pressas em virtude da morte de seu pai (provavelmente em 604 a.C.), com a finalidade de assumir a coroa.
Jeoaquim, rei de Judá, à semelhança dos demais reis que estavam sob o poder do Faraó, teve que se render ao novo soberano. Infelizmente, não foi fiel a Nabucodonosor por mais do que três anos. Revoltou-se contra a Neobabilônia. lista enviou tropas para sufocar a rebelião, ao mesmo tempo que acionou Moab e Amon, vizinhos de Edom, para que pressionassem a Jeoaquim. Essa revolta a princípio recebeu certa pressão suave de Nabucodonosor, mas este acabou por se tornar mais enérgico a partir de 598 a.C., quando cercou Jerusalém. Neste mesmo ano, Jeoaquim veio a morrer, deixando em seu lugar Joaquim, com apenas 18 anos.
Jerusalém foi tomada e tanto a nobreza como seu séquito foram deportados para a Babilônia. Os utensílios e os tesouros do templo, bem como os demais objetos de valor, foram tomados como despojo.
É neste contexto histórico que se dá a disputa entre Hananias e Jeremias.
Não importa muito a altura do Calendário, desde que as circunstâncias históricas se assemelhem. O ser humano está sempre tentando dar explicações e encontrar saídas fáceis para suas crises.
No meio da confusão, sempre surgem os defensores da bravata. Há sempre alguém de plantão pronto a qualificar todo o mundo como covarde e afirmar que a solução está diante de seus olhos, bastando apenas enfrentar a fera.
Hananias parece ser um desses que apregoa o fim de quem ele não conhece com a devida profundidade — a Babilônia. Não conhece e nem está ciente das consequências de seu discurso bonito, inebriante, mas totalmente inconsequente. Anunciar que o fim da Babilónia está próximo (Jr 28.2b) soa aos ouvidos dos judeus como um bálsamo para as feridas abertas pela guerra e pelo desterro, mas é uma temeridade que, se tivesse sido assumida por Judá, teria levado a uma situação muito mais séria e irreversível.
É até possível imaginar a plateia que escutou a pregação de Hananias e se entusiasmou com a esperança de ver restabelecidos tanto a paz quanto o seu ambiente de culto no templo, com todos os objetos sagrados que foram saqueados. É até possível imaginar o brilho nos olhos dos ouvintes, que se maravilhavam com a possibilidade de ver restabelecidos os seus objetos sagrados nos devidos lugares. Sobretudo, esse tipo de pregação concedia a Hananias um alto prestígio político e religioso.
As fórmulas mirabolantes estão sempre na boca dos modernos profetas que anunciam soluções rápidas e fáceis para todos os problemas. Nunca falta um pregoeiro de plantão para dizer que a história está dando a sua volta por cima e restaurando a dignidade dos excluídos.
É sempre mais fácil anunciar soluções rápidas do que caminhos trabalhosos c difíceis. É sempre mais cômodo ofertar soluções coloridas aos olhos dos ouvintes do que etapas cinzentas que carregam consigo o gosto amargo das frustrações.
É muito mais difícil fazer o povo acreditar numa solução vagarosa, construída com dores e sacrifícios, do que numa pregação saborosa aos ouvidos e aos olhos.
Diante dos profetas, como diante de todos os pregadores de nosso tempo, está o grande dilema: anunciar palavras que o povo está querendo ouvir e saciar as multidões em sua sede de respostas prontas e fáceis, ou anunciar palavras duras e corajosas que o povo está “necessitando” ouvir e que certamente o conduzirão à reconstrução.
Tentando oferecer uma vela para ajudar a iluminar a tarefa de quem se vê diante do povo no domingo com a responsabilidade de propor um caminho (liturgia), deixamos as seguintes ideias:
1. A invocação deve contemplar preces que salientem o Deus Pai e Mãe da história que, através de seus filhos e filhas, lúcidos de suas responsabilidades, conduz os acontecimentos para o cumprimento da justiça, do amor entre irmãos e irmãs, e da solidariedade.
2. A confissão pode incluir um momento de pedido de perdão pelos atropelos que acabaram por prejudicar a vida de pessoas e comunidades porque não se foi lúcido o suficiente diante do tempo e vigilante diante dos sinais de Deus.
3. Na proclamação é conveniente tomar alguma ilustração de episódios vividos pela comunidade, cujo fator pressa acabou por provocar um efeito nocivo para alguém ou para todos; como ilustração, e se houver oportunidade, o/a pregador/a pode dividir o grupo em vários subgrupos:
3.1. para dois grupos oferecer uma cópia de uma gravura com figuras complicadas, para os seus participantes identificarem e anotarem todos os detalhes da mesma com a finalidade de narrarem ao grande grupo, posteriormente;
3.2. para os outros grupos, oferecer a mesma gravura, bem como outras gravuras, também complexas, para que eles possam anotar todos os detalhes das mesmas, com a mesma finalidade;
3.3. posteriormente, o/a pregador/a reúne os grupos e os faz relatar ao grande grupo;
3.4. para todos os grupos conceder o mesmo tempo para a execução da tarefa;
3.5. no momento do relato, o/a pregador/a pede que sejam relatados os detalhes apenas da gravura que os dois primeiros grupos receberam, fazendo-os relatar por último;
3.6. o/a pregador/a poderá chamar a atenção para os detalhes que os dois primeiros grupos anotaram pelo fato de terem mais tempo para trabalhar sobre a mesma gravura;
3.7. enquanto que os demais grupos, que tiveram mais trabalho, não puderam anotar tantos detalhes;
3.8. este fato poderá ser explorado pelo/a pregador/a em sua prédica com relação às pessoas que se apressam demais em oferecer uma interpretação dos fatos históricos ou prever o seu desenvolvimento.
4. A intercessão deve conter preces que estimulem a paciência e o discernimento diante dos acontecimentos históricos, para que não sejam lidos com os olhos de aventureiros irresponsáveis, mas que também não estimulem a acomodação.
AMSLER, S. Os Profetas e os Livros Proféticos. São Paulo, Paulinas, 1992;
BRIGHT, J. História de Israel. São Paulo, Paulinas, 1980.
CAZELLES, Henri. História Política de Israel. São Paulo, Paulinas, 1986;
ENCICLOPÉDIA DE LA BÍBLIA. Barcelona, Garriga, 1964. vol. 3,1;
GOTTWALD, Norman K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo, Paulinas, 1988;
NOTH, Martin. História de Israel. Barcelona, Garriga, 1965.
SKINNER, John. Jeremias — Profecia e Religião. São Paulo, ASTE, 1966.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).