A carência afetiva é desencadeada pela existência de desequilíbrio no sistema emocional e este processa uma rede de insatisfação interna, não compreendida, mas real. O melhor caminho para se alcançar o equilíbrio desejado é ingressando nos Grupos de Mútua Ajuda, onde a família aprende a resgatar os laços afetivos, durante o processo do tratamento, utilizando-se do conhecimento adquirido sobre a doença.
Esta busca faz com que os valores prioritários alcancem uma nova configuração, isto é, não se busca mais a recuperação apenas do dependente, mas a recomposição de todo o sistema familiar. Se a doença faz com que cada um perca-se de seu próprio “quadrado”, o tratamento reconduz cada um para seu lugar de fato. Cada personagem deste grupo social aprenderá a efetivamente viver ciente que a dependência química não é um “bicho de sete cabeças”, mas uma doença passível de ser tratada e dominada.
Não há lugar melhor para se buscar ajuda do que junto a pessoas que viveram, e algumas ainda vivem, o mesmo espectro e sonham com uma família compromissada com a cumplicidade. Um lugar assim só é possível quando todos entendem que cada um está corrigindo sua trajetória e então passam a aceitar-se e a respeitar como são, com suas virtudes e com seus defeitos, com suas dificuldades e com suas potencialidades.
Já dizia um querido e saudoso amigo: “Sou apenas um dependente químico. Posso falar e trabalhar, sonhar e me divertir, me entristecer e me alegrar. Posso ser feliz, porque sou apenas um dependente químico. A doença me tirou temporariamente muitas coisas, mas eu posso resgatá-las (o que for possível) e reaprender a viver e a deixar viver. Aprendi a valorizar um dia de cada vez, uma ação de cada vez. Aprendi a me unir aos meus familiares e a deixar que eles tenham liberdade de ser feliz, independente de minha condição de saúde e/ ou das limitações impostas pela doença. Aprendi que o vínculo criado com os Grupos de Sentimentos, é que me dá suporte emocional para seguir adiante”.
Portanto, se cada um se dispuser a promover as mudanças necessárias nos comportamentos interpessoais, será possível recompor os laços familiares e afetivos equivalentes às necessidades de cada um. E a partir desta ação, os medos e as inseguranças deixarão de existir e surgirá a certeza que, mesmo que não se busque mais um responsável pelos desencontros familiares, não se eliminará a responsabilização individual de manutenção do equilíbrio emocional coletivo.
Nos Grupos de Tratamento, os co-dependentes (pessoas que convivem por tempo prolongado com um dependente químico) encontram, também, suporte emocional para tomar decisões muito difíceis, como por exemplo: permitir que um dependente químico (filho, filha, esposo ou esposa) vivencie o sentimento de perda de controle da própria vida; permitir que ele ou ela perca o patrocínio emocional e experimente o contato com a desesperança, com o infortúnio e com as dores reais que a doença lhe impõe; permitir que ele ou ela pague o preço que a situação exige, sem que ninguém externe sentimentos de piedade, de abandono ou de culpa.
E os dependentes químicos encontram, talvez pela primeira vez em suas vidas, um lugar onde possam falar de seus sentimentos sem medo ou preocupação de serem criticados ou não entendidos. Um lugar onde possa resgatar sua dignidade e sua identidade enquanto pessoas, fi lhos ou fi lhas, pais ou mães de alguém. Descobrem que não estão sendo agredidos com as atitudes dos familiares, mas amados, muito amados por todos. Incorporam que as ações dos seus são direcionadas para a dependência e para o salvamento da pessoa dependente (eles próprios). Percebem que só vieram ao tratamento por não suportar mais viver como viviam, isto é, nos lampejos de consciência, contataram com intenso sofrimento, tanto pessoal, como dos seus amados.
Mozart Luiz Vieira
Coordenador de Serviço
Consultor e Especialista em Dependência
Química e Comunidade Terapêutica
(continua na próxima edição)