O Dr. Hermann Brandt, pastor luterano, teólogo e professor, que ultimamente havia sido catedrático da disciplina de Missão, Ciências da Religião e Ecumenismo na Universidade de Erlangen-Nürnberg, faleceu no dia 21 de maio, dia da Ascensão de Jesus, vítima de câncer. Nascido em 31/08/1940 em Münster, Alemanha, estudou teologia de 1960 a 1964 nas Universidades de Münster, Heidelberg e Göttingen. Em 1969 defendeu tese de doutorado em Teologia Sistemática em Göttingen, logo depois vindo ao Brasil, onde de 1971 a 1977 lecionou esta disciplina na então Faculdade de Teologia da IECLB, hoje, Escola Superior de Teologia, tendo assumido inclusive a Reitoria por um ano. Em 1990 concluiu tese de Habilitação sobre o tema “A presença de Deus na América Latina”, em que apresenta uma avaliação crítica muito interessante sobre a contribuição da teologia da libertação desde sua ênfase hermenêutica junto aos setores mais empobrecidos da América Latina.
Como tantos colegas na EST e da IECLB, sinto muita tristeza com a perda do colega, professor e amigo Hermann Brandt. Fui estudante durante boa parte de sua estadia no Brasil, ajudei a editar na época o seu livro sobre o “Risco do Espírito. Um estudo pneumatológico” (São Leopoldo: Sinodal, 1977. A segunda edição é de 1985 com o título O Espírito Santo), um marco na pneumatologia entre nós, ainda que não reconhecido como tal. Brandt logo em seguida escreveu um pequeno livro, mais voltado às comunidades de fé, sobre o tema “Espiritualidade” (São Leopoldo: Sinodal, 1978) que recentemente, após cuidadosa revisão do próprio autor, foi reeditado com o título Espiritualidade – vivência da graça (São Leopoldo: Sinodal, EST, 2007).
H. Brandt foi um teólogo sensível, aberto ao diálogo, rigoroso na argumentação, no aprofundamento das questões da teologia sistemática e do ecumenismo. Logo que saiu o livro de Leonardo Boff, Jesus Cristo Libertador, em 1972, ele soube analisar o livro com abertura e senso crítico. Publicou artigo sobre o livro, na revista Estudos Teológicos, que lhe valeu uma resposta dura por parte do então frei Leonardo. Quando se encontraram mais tarde na Noruega e, recentemente, no Brasil, ambos haviam superado as divergências e demonstraram como se pode fazer teologia, quando o debate é justo, honesto e de alto nível.
Estudei para minha tese de doutorado a última parte da carreira acadêmica de H. Brandt. Fiz questão de que o seu livro com ensaios de missiologia contemporânea fosse traduzido para o português, publicado com o belo e instigante título O encanto da missão (São Leopoldo: Sinodal, EST, CEBI, 2006). Em sua última cátedra como docente, Brandt migrou da teologia sistemática para a Missiologia, as Ciências da Religião e o Ecumenismo. Este foi talvez o maior desafio de sua vida como docente e como teólogo crítico. Seus últimos trabalhos reafirmam a centralidade da missão tanto para as igrejas cristãs quanto para a teologia. Para ele missão implica impulso para a transformação, da igreja e do mundo a quem o evangelho é anunciado.
Num ensaio ele escreveu que há quatro tópicos que marcam a teoria e a prática da missão na América Latina: a convivência com o outro; a inserção nas culturas e realidades desse outro; a permeabilidade, que significa um abrir-se às influências e experiências significativas desse outro; e por fim, a atualização do evangelho, que significa que o outro ao apropriar-se desse evangelho o ressignifica e reinterpreta de modo criador e desafiante. Estas práticas, escreveu Brandt, “são posturas de discrição, vulnerabilidade, respeito pelos outros. A prontidão para a solidariedade, para encaixar-se no alheio, ser receptivo – assim se mantém presente o evangelho. […] E isso não como renúncia à missão, mas, pelo menos na América Latina, como missão alternativa. Como missão que […] se reporta à palavra encarnada de Deus”.
Por isto eu penso que duas palavras traduzem para nós a sua pessoa e a sua contribuição à teologia, seja na Europa seja na América Latina, e particularmente no Brasil, que ele conheceu e aprendeu a amar como segunda pátria: ousadia e humildade. Brandt foi um teólogo ousado, crítico, rigoroso, mas sempre aberto ao diálogo, demonstrando uma humildade verdadeira, rara de encontrar nos meios acadêmicos.
Sua morte é uma grande perda para nós na EST, para a IECLB e as igrejas luteranas da América Latina. Mas também para a Teologia como reflexão séria, sistemática, crítica e desafiadora. Brandt nos deixa um legado que continuará a nos desafiar por muito tempo. Deus seja louvado por sua vida. E que o Espírito de Vida e de Amor acompanhe sua querida Annette e família.
Hermann Brandt deixa enlutadas Annette, sua esposa, as filhas Anne Kathrin e Iracema Ulrike, e o filho Manuel Hermann, os dois últimos nascidos no Brasil, e suas respectivas famílias. No momento de sua morte, a família esteve ao seu lado.
Dr. Roberto E. Zwetsch
Faculdades EST