Proclamar Libertação – Volume 21
Prédica: Apocalipse 12.7-12
Leituras: Daniel 10.10-14 e Lucas 10.17-20
Autor: José R. Cristofani
Data Litúrgica: Dia de São Miguel e Todos os Anjos
Data da Pregação: 29/09/1996
1. Introdução
Não é segredo para ninguém que vivemos numa época extremamente agitada, num período de confusão e dias de muita insegurança. Basta uma olhadela nos jornais ou na televisão para se aperceber dessa realidade. Nas conversas de botequim, nas ruas, nas praças, nos escritórios, em todo lugar a temática, por via de regra, é a confusão política, a insegurança económica, os conflitos raciais. Fala-se de guerras e rumores de guerra. Pelos becos e avenidas ouve-se falar da violência desenfreada. De qualquer lugar em que se esteja, pode-se contemplar a perplexidade das pessoas diante de um caos social. Este quadro já bastante desanimador é agravado pelo surgimento de novas doenças e epidemias que dizimam milhares de vidas, preferencialmente pessoas já debilitadas pela fome e pela miséria.
Uma situação assim confusa torna-se um prato cheio para todo tipo de oportunistas e aproveitadores da boa fé do povo, como, p. ex., políticos inescrupulosos e fisiologistas que, em nome da melhoria de vida para a população, fazem promessas de transformar o país, o estado ou a cidade num paraíso terrestre. Juntem-se a esses os profetas do fim dos tempos. Com um discurso religioso e supostamente bíblico, vários profetas, populares ou não, têm assumido a condição de precursores do messias ou chegam mesmo a se apresentar como o próprio messias, se autodesignando líderes do povo de Deus. Levam, assim, muitos desavisados a abrir mão do pouco que ainda lhes resta para a sobrevivência em favor da causa da verdade, quando não lhes tiram a própria vida.
Num panorama sombrio como o descrito superficialmente acima, encontra-se o solo fértil para a disseminação de ideias escatológicas e apocalípticas. Ideias, no mais das vezes, equivocadas, que não hesitam em descrever o fim do mundo com Iodas as suas cores, que detalham cada etapa dos acontecimentos de um futuro próximo e que em geral reclamam autoridade bíblica para si.
Portanto, ler o Apocalipse de João nos dias atuais tornou-se um grande desafio e uma necessidade urgente, pois como cristãos cremos que a Bíblia não apenas pode guiar a sua própria interpretação, mas também iluminar a vida da comunidade na sua realidade.
Dois seriam os fatores que apontam para a atualidade do Apocalipse para nossos dias. Primeiro, o Apocalipse, como de resto todos os livros apocalípticos do período do Novo Testamento, é fruto de uma época conturbada, tanto quanto a nossa. Segundo, é um livro produzido por uma comunidade que vivenciou essa realidade.
2. Os Textos
Os três textos propostos, Ap 12.7-12 (texto da prédica) e Dn 10. 10-14; 12.1-3 e Lc 10.17-20 (leituras), guardam uma relação estreita entre si. Vejamos primeiramente a relação entre Ap 12.7-12 e Dn 10.10-14; 12.1-3. Uma rápida olhada nos dois textos mostra que o de Ap depende do de Dn. Há uma dependência nos seguintes aspectos: a) o gênero literário utilizado é uma visão; b) a narrativa tem um caráter apocalíptico; c) o destinatário da visão representa o povo de Deus; d) o motivo da peleja do arcanjo Miguel contra os inimigos do povo de Deus e sua consequente vitória. Poder-se-ia acrescentar a situação social, que c idêntica; contudo, uma época, apesar de ser em parte resultado da anterior, não pode ser copiada ou imitada por um autor. Porém chama a atenção o fato de que a realidade vivida pela comunidade do livro do Apocalipse é muito semelhante àquela vivida pela comunidade do livro de Daniel, qual seja, uma situação de sofrimento e perseguição. Isso levanta uma pergunta: por que em épocas de grande angústia, como foram as da comunidade de Daniel e do Apocalipse — e a nossa não é diferente — há um florescimento de ideias apocalípticas? Não pretendo responder essa questão, apenas a lanço para auxiliar na reflexão sobre o texto.
Apesar dos elementos comuns aos dois textos alistados acima, há diferenças entre eles. A principal é a diferença temática, pois ainda que utilize elementos de Dn 10, Ap 12 tem como tema central a expulsão definitiva do dragão do céu e a autoridade dada a Cristo pelo Pai. Neste particular, Ap 12 aproxima-se mais de I & 10.17-20, pois ali se narram o retorno dos setenta e a alegria do grupo porque as forças do mal se lhes haviam submetido. Jesus complementa isto dizendo que via a Satanás caindo do céu (v. 18) e que tinha dado toda a autoridade aos discípulos.
3. O Texto de Pregação
Ap 12.7-12 faz parte de uma unidade maior que tem seu início em 12.1 e se prolonga até 15.4. Esta unidade é claramente dividida em dois momentos: no primeiro momento, a narrativa se detém no céu (12.1-13); no segundo, a cena se passa na terra (12.14-15.4). O cap. 12 marca também o início da segunda parte do livro do Apocalipse. Há certo consenso de que o livro pode ser subdividido em três blocos: caps. 1-3; 4-11 e 12-22. Portanto, a perícope da prédica insere-se num novo momento dentro do livro, o momento em que a narrativa passa a focalizar a tribulação anunciada na segunda parte (4-11).
Algumas observações sobre o trecho podem ajudar a compreender melhor a mensagem:
A figura do dragão é bastante conhecida dos círculos apocalípticos e representa a encarnação do mal absoluto. No texto ele é identificado com a antiga serpente, que, por sua vez, é identificada com o diabo. A identificação da serpente com Satanás provém de Sabedoria 2.24, i. é, de cerca de 50 a.C.
A peleja contra as hostes do mal ocorre no céu, onde o dragão e suas hostes são derrotados e definitivamente expulsos da presença de Deus. A peleja, na verdade, parece ser aquela que os cristãos travavam dia a dia, pois o v. 11 fala da vitória dos mesmos através do sangue do cordeiro. Isto bem pode ser uma homologia estrutural invertida, i. é, o que acontece na terra é transposto para o plano divino. Lembremos que a vitória de Cristo sobre as hostes inimigas se deu na cruz.
Há uma proclamação de vitória (vv. 10-12). Este trecho é um canto que celebra a vitória do povo de Deus sobre os inimigos de Deus. Pouco notados, estes versículos se revestem de fundamental importância para a compreensão da atitude da Igreja frente à perseguição. Aqui os cristãos são conclamados a celebrarem em meio a tribulação.
Uma última observação que me parece oportuna é a de que a perícope termina dizendo que Satanás está solto na terra e vai causar sofrimentos à Igreja. Nossa perícope revela que a vitória definitiva sobre o mal já foi obtida e que no enfrentamento com as forças do mal sempre seremos vitoriosos, apesar de indicações em contrário.
4. Encaminhamentos para a Prédica
Minha sugestão para a prédica é a seguinte:
Começar a pregação narrando um acontecimento recente de coloração apocalíptica, como, p. ex., seitas que levam seus adeptos ao suicídio;
falar da importância e atualidade de livros como o de Daniel e o Apocalipse para a vida da Igreja nos dias de hoje;
ler o texto da prédica;
descrever a situação que imperava na época em que foi escrito o Apocalipse; expor o texto versículo por versículo, fazendo os comentários pertinentes; concluir aplicando a mensagem à realidade de sua comunidade.
5. Liturgia
Sugiro que se leia o auxílio homilético de João G. Biehl mencionado na bibliografia abaixo e se utilizem as orações e poemas conforme a oportunidade e necessidade.
6. Bibliografia
BIEHL, João Guilherme. Natal (II); Apocalipse 7.9-17. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal, 1987. vol. XIII, pp. 110-115;
COLLINS, Adela Yarbro. The Apocalypse. Wilmington, Michael Glazier, 1979;
MESTERS, Carlos. Esperança de um Povo que Luta. São Paulo, Paulinas, s. d. VV. AA. Uma Leitura do Apocalipse. São Paulo, Paulinas, 1983.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).